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Cartas de poker – escrevo-as de amor e gratidão aos amigos
sábios, de mundo de horizonte com caminho, onde me sacio e compreendo a escuridão
– só de ganhar. Ases há poucos e reis também. Faltou sempre alguém para o meu
pai me ensinar bridge. Tenho cabeça pequenina e certamente ficaria pelo king, jogo
tão maçador. Prefiro a canasta e música de câmara, o tango e sangria sem gasosa,
o granito românico e a fotografia parecida com a pressa. Escolho arte
contemporânea porque a moderna me aborrece, o impressionismo é piroso e concluo
das excepções – sem as mãos, sintetizo o caminho do pai, da vanguarda possível
do país ao pincel de academia. Os sábios dizem poesia ou sabem-na, outros
coleccionam perfumes, dizem dos fumos, dos vinhos e das mesas – uma receita é
uma lei, fora dela pode ser qualquer coisa, mas nunca o mesmo. Entendem a
estética, que não é bem o bom-gosto, a moda e o bonito, vai do a propósito ao
horrível. Sabem do nu descendo as escadas e da Nossa Senhora com o Menino, dum
anónimo português do século XV. A superioridade é-lhes pela naturalidade e
educação por onde vertem e onde maravilho as novidades, reparos e ângulos, além
da perspectiva cavaleira, sabedores do uso das orelhas. A beleza da sem
arrogância nem sobranceria, a educação galante do respeito – quando se
respeita, o espelho favorece e Narciso vai comprar cigarros. Porque não há
cultura sem pão nem homem sem cultura – só animal. Sabem ler e ouvir, histórias,
estórias, fantasia, enganos, imprecisões de tempero e a singularidade de
assumir quando não se sabe – diferença entre o ouro baço e o brilho da fancaria.
Horas com uns e minutos com outros. Ter estas cartas é poder ir a jogo, depois
com todos os feijões cozinhar uma coisa saborosa à pressa, elogiando os defeitos.
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Por respeito e decoro, deixo as iniciais… sabem ler siglas: AS,
CF, DS, FC, FM, MJ, SGC… e por aí.
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