digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sábado, fevereiro 06, 2016

Declaração de inaptidão

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A vida é pastosa. Se não fosse importante, não o seria. Como a escola, onde percebi a importância do prazer, por causa da utilidade, e do sofrimento, pelo desnecessário.
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Não é por se ir à escola que se pensa pela própria cabeça. Possivelmente será o oposto. Mais profundamente? A maioria das pessoas não pensa, sobrevive.
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Com sorte, vive-se. Sem tal, sobrevive-se ou até só se existe.
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Nem falo da qualidade do ensino nem dos critérios de avaliação ou da justiça.
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Estudar é um aborrecimento. Aprendi pouco e o que sei ganhei enquanto desenhava ou escrevia, em paralelo ao discurso dos professores.
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Raramente me interrompiam. Só no início. Depressa percebiam que não valia a pena tentar caçar-me, pois afinal estava atento e sabia quase sempre.
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A capacidade de se pensar em paralelos não é um dom, antes uma negligência desatenta ou inexploração e inconsciência. Conseguimos cantar enquanto lavamos a loiça ou conversar enquanto conduzimos ou escrever durante um telefonema.
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Na escola, quando numa aula de disciplina importante, desenhava compulsivamente e escrevia quase tanto.
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Na escola, quando numa aula de disciplina inútil, desenhava compulsivamente e escrevia ainda mais.
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Contudo, nessas desnecessidades, ainda ia sabendo e estudava. Estudava muito, mas os resultados eram péssimos.
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Estudar não tem de ser divertido. Nunca foi o meu objectivo encontrar entretenimento nas utilidades. Contudo, advinha prazer. Mas desenhava e escrevia compulsivamente.
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Na verdade, nunca estudei além das desnecessidades. Dediquei horas às inutilidades.
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A minha média de final de curso é de doze valores. Nada mau para quem só abriu os livros raramente, das disciplinas sem interesse para mim... pré-história, arqueologia, pré-clássicas...
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Quis estudar história da música em Portugal, mas os professores eram duma mediocridade inaceitável. Sabiam muito dos temas dos seus doutoramentos... O resto era um lotaria, onde se tinha de saber datas, locais e personagens... como o responsável pela Capela Real em 1678... E eram tidos António Fernandes, Manuel Henriques, Francisco Lopes, João Esteves..
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Pois, era optativa e substitui uma coisa semestral por uma temática de ano lectivo completo, no domínio da geografia.
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No liceu aconteceu-me ainda melhor do que na história da música. Porque retrocedi dois anos, por mudança de área vocacional, cheguei ao décimo segundo ano com dezanove anos. Um professor baixinho, pessoa baixinha, quis humilhar-me na primeira aula e por isso. No final, dirigi-me a ele e confrontei-o. O cobarde tremeu e não sou nem fui ameaçador, apenas disse a razão de terminar o ensino secundário com vinte anos.
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Nas aulas seguintes, evitava falar-me. Ia humilhando pela sala e olhava-o com a cara fechada. No primeiro teste fui brindado com dois valores e meio. Percebi o recado. Fui imediatamente à secretaria para anular a matrícula e inscrever-me num exame nacional. Nove meses depois, avaliado num conjunto de milhares de alunos, consegui dezasseis. Era um homem pequenino, com síndrome de homem pequenino – não era nem sou um génio.
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O meu pai dizia admirado que eu desenhava como respirava. Valeu-me pouco na escola. Nas disciplinas artísticas, a arte garantia-me boas notas, mas os assuntos desinteressavam-me. Imagino o dilema na avaliação – por culpa minha. Em português e em história era mais centrado, insuficientemente, nunca consegui uma nota máxima.
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Talvez se não desenhasse e escrevesse em paralelo às aulas – dirão. Aí seria pior.
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A culpa é do mundo? Não! É minha. Respondo consciente, porque tenho livre-arbítrio e nunca me molestaram pelos descalabros.
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Aprendi mais na escola primária do que na preparatória ou no liceu… na universidade, não me atrevo. Lembro-me de ser miúdo, na primeira escola, e ouvir a professora comentar, com outras docentes, ou de a minha mãe me dizer, após reunião de encarregados de educação, que eu era distraído e estava noutra, que fazia os mínimos, e optava por outros destinos. Queria desenhar e escrever e o que me davam não era só isso e disso entregavam-me temas instimulantes.
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Não era nem rebelde nem insolente. Queria criar e sabia instintivamente distinguir o útil do desnecessário. Bem, rebelde não fui, mas na universidade fui, embora defensivamente, insolente.
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Repito que estudar serve para pouco e quase nada se traz da escola.
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Não, não é ilusão de óptica! A maioria das pessoas não pensa e muitas outras pensam mal. Têm pensamentos quasi automáticos.
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Sabem do que têm de saber e pensam quasi apenas nisso. Claro, foram à escola e aprenderam.
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Não, não aprenderam quasi nada.
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Antigamente, em jovem adulto, a arrogância era-me abundante e com ela vinha o desprezo. Uma vez humilhei um professor que se armou em parvo – porque me via a desenhar… Fez-me uma pergunta e respondi-lhe. Brutalmente, interveio reactivamente:
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– Onde foi buscar essa teoria abstrusa?
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– Fui busca-la ao livro XYZ, do professor cicrano, da Universidade de Viena (desta lembro-me). Faz parte da bibliografia e se não sabe onde fui buscar a teoria abstrusa é porque não o leu. Aliás, o livro está esgotado, mas tenho uma edição antiga. Quer que lho empreste para tirar fotocópias?
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Obviamente, vingou-se. Tudo bem! Acabei por fazer as suas cadeiras numa outra universidade, pública, e saquei dezasseis nas duas, se não erro – sei que foi mais do que catorze, mas menos de dezoito.
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Uma outra vez, um professor assistente quis impedir-me de fazer uma prova, argumentando que eu faltava a muitas aulas. Tarde demais, pois já tinha o enunciado. Respondi a tudo e entreguei-lhe os papéis no final. Disse-me que não me avaliaria. De facto, não lançou a nota.
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Inscrevi-me para exame de recurso e, mais uma vez, embirrou comigo. Nesse dia não apanhei o enunciado. Saí da sala e apresentei queixa na secretaria. Veio Agosto e telefonou-me o professor catedrático a pedir desculpa pelo procedimento do seu assistente. Entre outras coisas, recordo-me de me dizer.
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– Recordei ao professor fulano que não é qualquer aluno meu que consegue um catorze e que, nem que fosse por isso, poderia proceder como fez.
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Regressando: arrependo-me, constato que a minha inteligência não é muita. Sou quasi estúpido. Talvez iludido, creio que penso, que o faço bem e estou atento além do casulo.
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Mas, para que raio tive de estudar matemática, física e química? Eu ia para a Escola de Belas Artes.
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A professora de geometria descritiva, inteligente e sábia, percebeu-me e criou uma excepção:
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Eu podia desenhar como quisesse, à mão ou com instrumentos, podia rasurar, esborratar e até usar sempre as mesmas minas e as desadequadas desde que, ao lado, indicasse o que seria correcto... Traço fino, com mina 3H...
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Foi-me útil, essa matemática.
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Saber contar e umas operações básicas, ler, escrever e interpretar, e civismo – pouco mais me ocorre com interesse universal.
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Quase nada estudei. Quase nada aproveitei.
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O mundo não tem culpa pelo meu falhanço. Eu é que provavelmente não quero o mundo.

1 comentário:

Carla P disse...

Oi John. Acabo d ler, a caminho d Viseu. Gostei de facto, das memórias, do discorrer , do distanciamento critico... Enfim.. E as ilações retiradas.. Identifico-me c bastantes..
Bjss.