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As trotinetas trotinam, mas os sequeites só sequeitam, não
galopinam. Os carrinhos-de-esferas correm na Fórmula 1. No tempo sem fim não se
morre.
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Dois Verões, no de mil novecentos e oitenta e três e no
outro, num deles refez-se a rua comprida e o bairro teve dois autódromos.
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O carrinho foi construído pelo meu pai, os rolamentos eram da
Mercedes e a tábua de escarlate como os dardos da Ferrari. Queria ser o Jody
Scheckter, mas fugira em 1980.
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Por isso, pintei o chassi de vermelho e branco
dos McLaren, publicitando a Marlboro. Fui o John Watson – detestava ter os
olhos azuis e não queria ser tão magro.
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Sempre exigente, verificava diariamente o bem-estar dos
rolamentos, e tinha um sobressalente. A tábua partiu-se e numa nova, muito
robusta, entortei pregos e aleijei-me nos parafusos… que vergonha! Triste, negro
de ânimo.
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Se preto, podia correr num Shadow, mas estava fora. Se preto
e amarelo, seria da Minardi, se existisse. O carro desastrado seria uma ofensa
à Lotus, preta e com as letras douradas da sigla da John Player Special.
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Desolado, convencera-me do azul claro da Osella, equipa do
fim da recta. Então, o mano fabricou-me outra seta. Aquela difícil madeira
movia-se velozmente com os rolamentos da Mercedes. O Fernando até me pôs um
banco, um prisma almofadado com esponja.
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Em 1984, o carro começou por ser branco e vermelho. Mas detestava
o Alain Prost e o Niki Lauda, marcado pelo horrível acidente de Nürburgring em
1976, assustava-me – aquela tocha humana correndo pela vida.
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Na Ferrari não vibrava nem por Michele Alboreto nem por René
Arnoux. Por isso, nesse ano eu fui eu. O bólide tornou-se da cor-do-sangue
secando-se.
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Era pesado, gordalhufo moderado e a força da gravidade
generosa, o chão não agitava os rodados. Como antes e outros ainda, ganhei. Nesse
Verão da rua em obras venci tudo. Tão sempre e nunca me lembrei de Ayrton Senna.
Chegara nesse ano e conduzia um Toleman.
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Na volta do Algarve descobri que me tinham roubado e vendido
o carrinho-de-esferas, num conluio dum vizinho com vista para a garagem com um
promissor gatuno. Dei uma tareia valente aos dois, mas nunca mais corri.
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Tinha quinze anos e entrara plenamente na adolescência.
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Nota: Não consegui apurar a autoria das fotografias de reportagem desportiva. Se alguém conhecer o nome dos autores, por favor informe-me, para que possa atribuir a autoria.
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