digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, novembro 05, 2015

Campeão de Fórmula 1

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As trotinetas trotinam, mas os sequeites só sequeitam, não galopinam. Os carrinhos-de-esferas correm na Fórmula 1. No tempo sem fim não se morre.
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Dois Verões, no de mil novecentos e oitenta e três e no outro, num deles refez-se a rua comprida e o bairro teve dois autódromos.
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O carrinho foi construído pelo meu pai, os rolamentos eram da Mercedes e a tábua de escarlate como os dardos da Ferrari. Queria ser o Jody Scheckter, mas fugira em 1980.
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Por isso, pintei o chassi de vermelho e branco dos McLaren, publicitando a Marlboro. Fui o John Watson – detestava ter os olhos azuis e não queria ser tão magro.
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Sempre exigente, verificava diariamente o bem-estar dos rolamentos, e tinha um sobressalente. A tábua partiu-se e numa nova, muito robusta, entortei pregos e aleijei-me nos parafusos… que vergonha! Triste, negro de ânimo.
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Se preto, podia correr num Shadow, mas estava fora. Se preto e amarelo, seria da Minardi, se existisse. O carro desastrado seria uma ofensa à Lotus, preta e com as letras douradas da sigla da John Player Special.
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Desolado, convencera-me do azul claro da Osella, equipa do fim da recta. Então, o mano fabricou-me outra seta. Aquela difícil madeira movia-se velozmente com os rolamentos da Mercedes. O Fernando até me pôs um banco, um prisma almofadado com esponja.
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Em 1984, o carro começou por ser branco e vermelho. Mas detestava o Alain Prost e o Niki Lauda, marcado pelo horrível acidente de Nürburgring em 1976, assustava-me – aquela tocha humana correndo pela vida.
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Na Ferrari não vibrava nem por Michele Alboreto nem por René Arnoux. Por isso, nesse ano eu fui eu. O bólide tornou-se da cor-do-sangue secando-se.
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Era pesado, gordalhufo moderado e a força da gravidade generosa, o chão não agitava os rodados. Como antes e outros ainda, ganhei. Nesse Verão da rua em obras venci tudo. Tão sempre e nunca me lembrei de Ayrton Senna. Chegara nesse ano e conduzia um Toleman.
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Na volta do Algarve descobri que me tinham roubado e vendido o carrinho-de-esferas, num conluio dum vizinho com vista para a garagem com um promissor gatuno. Dei uma tareia valente aos dois, mas nunca mais corri.
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Tinha quinze anos e entrara plenamente na adolescência.
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Nota: Não consegui apurar a autoria das fotografias de reportagem desportiva. Se alguém conhecer o nome dos autores, por favor informe-me, para que possa atribuir a autoria.

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