.
Disse, no deserto desta casa grande, como se estivesse
alguém ali, além dos espíritos inquietos ultimamente sossegados, que era uma
janela para o Outono. Conversava num tom calmo, apesar do suspiro que apertava
o coração.
.
– Lá fora há jardim onde tudo pode acontecer e nada
acontece.
.
O vazio respondeu-lhe. Não era espírito, mas uma voz das
questões.
.
– O caixilho de talha… não caem folhas?
.
– Sim. É o Outono, e aves que chegam para o ameno e as
que partem para o ameno.
.
– Cada pássaro seu ameno.
.
– Sim, cada pássaro…
.
– Nos outros dias do ano, os do Inverno, Primavera e Verão…
como está o jardim?
.
– É outro, são outros. No mesmo sítio. Para esses há outros
vidros e portas. Também para os dias esquisitos, os de fora de época, de
indecisão… sobretudo se de solidão e de melancolia.
.
– Onde ficam?
.
– Lá fora. A toda a volta da casa. A quase toda a volta da
casa. A casa fecha o jardim, fecha-lhe a saída para a rua. Há o muro e a floresta densa, duma só linha de árvores de copa compacta, sem ramagens para intrusos, alinhada como uma paliçada. A rua é real, muito maçadora.
.
– A casa é uma ilha.
.
– A casa é um istmo. O jardim é uma península. Um continente,
jardins como nações. Ligados e separados.
.
– Descobrem-se bem?
.
– Se quiseres perder tempo.
.
– Perder tempo?
.
– Não importa como mudam, como se vão juntando. Na verdade
mal se vê duns para os outros. As árvores são montanhas e os ribeiros, alguns
gargarejam todo o ano, e os canais de tijolo-burro ou de ladrilhos são também
acidentes. As fronteiras são imaginárias, estas e as outras.
.
– Costumas ir duns para os outros?
.
– Nem embrenhado e distraído. A paz ou a guerra em mim ocupam-me. Se melancólico
se suicidário se alegre se entediado se.
.
– Uma porta ou uma janela para cada jardim?
.
– A casa é grande. Não sei se a conheço toda ou se me lembro
dela toda.
.
– Costumam chegar para falar ou estar?
.
– Prefiro que não, para me ter puro, só de mim. Falo contigo
porque és em mim e ainda assim não me sabes nem te sei.
.
– A solidão? A melancolia?...
.
– Bastam-me, mas tenho mais.
.
– Como sabes qual o jardim do dia ou da hora?
.
– Como os passarinhos sabem onde está ameno.
Sem comentários:
Enviar um comentário