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Era domingo e pensava na miúda do liceu, que tinha acne no
rosto e só a atracção da carne virginal ocultava o discernimento estético para
compreender como se vestia mal. Na verdade, o penteado era horrível e usava
camisolas de lã cor-de-rosa enfeitada com um fiozinho de ouro com uma pequena
placa com o nome, num lado, e uma santinha do outro.
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Nesse domingo bateu as habituais seis punhetas. Pensava nela,
mas olhava para as modelos quase despidas nas páginas duma revista feminina enfadonha,
que explicava como se faziam as roupas da moda – já com cinco anos de atraso e quase
cem de civilização. O pénis ardia-lhe, porque os dias consecutivos de excitação
fizeram esgaçar a pele macia, com poucos pelos. Pentelheira tinha muita,
gostava de a cortar, por vezes rapar, para a ver crescer – enquanto nu de
pelosidades, a picha parecia maior. É óbvio que a mediu.
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Os livros de sexualidade interessavam-lhe tanto quanto a
Burda. A ciência e suas desnudadas para explicação dos fenómenos roubavam-lhe
tesão, enquanto uma revista de actualidades mundanas tinha fotografias de beldades
ou mesmo as de costura mostravam moças entediantes vestidas de crochê ou tafetá
ou outra coisa de mulheres.
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Sonhava e sonhava acordado e sonhava em ter coragem e
sonhava em ter idade e sonhava e ter idade para chegar ao balcão duma papelaria
e dizer que queria a Playboy, a Penthouse e a Mayfair.
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Aquela, a do liceu, não era menstruada – não lhe passava
pela cabeça. Que coisa estranha, deitar sangue da coisa. Foder? Talvez. Quase de
certeza. Pelo menos haveria de o fazer com ele. Arrebatado no desejo… as
fantasias eram banais, como a posição de missionário e mais não compreendia e o
orgasmo feminino qualquer coisa que ouvira não sabia onde.
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E se não desse? Haveria outra. Outras e outras e outras. O
tímido galã, o maior do mundo. Um macho viril e desconhecido. Se elas soubessem…
seriam todas dele. Todas as do mundo. E punhetava-se atrás da porta do quarto,
para que ,se alguém a abrisse, ter tempo para recatar a sarda.
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– Deus me livre de ser apanhado! Que vergonha!
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Pensava que em casa o tomavam por casto. Até porque nunca se
viera nos lençóis. Mas as cuecas que iam para lavar – uma por cada dia, pelo
menos – estavam manchadas do prazer. Cheiravam. As máquinas de lavar podem ser
estúpidas, surdas, mudas, discretas… mas as mães não são tolas. Ele acreditava
que tinha tudo em segredo.
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A virgindade? Coisa de miúda, constou-lhe. Que importância
tinha? Ser o primeiro? Mas haveria um primeiro. Todas as que conhecia e com
quem tinha tido sexo – usando a mão direita para esfregar e a esquerda para
mudar as páginas – não eram nem virgens nem deixavam de ser nem sabia nem da
importância que poderia ter. Ouvira o pai contar a amigos que gostava de foder
com virgens. Não percebia nem entendia se haveria alguma coisa para
compreender.
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Romantismo, galanteio… o que seria? Não bastaria um dia sem
tempo, num sítio sem gente – como noutro planeta – para a ter? O que fazer se
não sabia fazer.
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Fantasiava que era um sultão, o maior sultão de sempre, a
quem se mostravam todas as mulheres. Todas? Todas, se bem que aquelas com uma
idade que lembrasse a da mãe já não existiam. Todas, se bem que aquelas com uma
idade que lembrasse a irmã mais nova… algumas amigas delas, podiam. Via-as a
todas, controlando o tesão – na verdade, a única coisa que certamente não
dominava – e para todas chegava e bastava. Aliás, se havia dias em que se
tocava oito vezes… o problema era lixar a pele do pénis com a fricção. Pouco
importava, pois era eterno e as suas hormonas descontroladas eram entendidas como
infinitas.
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Na verdade, aquela miúda por que se embeiçara não era a
única. Na verdade, havia muitas: duas na turma – em alguns dias eram três – e aquela
da sala do lado. No corredor, sendo cordato, valiam quase dez. Depois, as do
turno da tarde. Eram pelo menos outras dez. Além da vizinha intocável que
crescera em reclusão familiar – o pai era militar ou estivador, o que é
parecido no que se reporta a interpretação da coisa feminina.
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Ouvira contar aos mais velhos que antigamente, quando eram
mancebos, iam às putas. Por vezes levados pelos seus próprios pais. Ele pensava
se uma puta seria uma mulher. Não seria qualquer outra entidade humana? Putas
não queria, pois as que via ou sabia agoniavam-lhe o tesão. E acreditava que
todas as miúdas (todas) fodiam.
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As férias eram boas, mudava de ares, via outras raparigas. No
Verão longo, quase sempre na praia, deitava-se sobre a barriga e fazia covas na
areia para esconder o piço crescido, por causa das estrangeiras – e outras
nacionais – que mostravam as maminhas. Naqueles anos elas não tinham vergonha
de arejarem os seios na praia… ai, se as avós… e de bigode, Virgem Santíssima.
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As noites de Verão eram parcialmente dormidas, pois eram
tantas as gajas que tinha de foder. Antes de dormir e acordava várias vezes e
de manhã, era o corolário do deboche. Aquelas da praia – sobretudo as que
faziam topless – e algumas do autocarro, as colegas da escola que se lembrava,
as dos anúncios da Nivea e da Piz Buin, com fotografias de modelos em topless, com
os seios vagamente cobertos, desarrumavam-lhe… tinha tesão e sabia o que fazer.
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Quando surgiu a notícia de que a Madonna tinha pousado nua... aquela deusa extravagante, sexualmente sexual... ele e os amigos entesados só de pensar, invejosos de não terem dezoito anos para comprarem a Playboy ou a Penthouse, que disputaram a primazia da revelação da nudez da diva em ascensão. Nas imagens, conseguidas não se lembra como, desiludiu-se. Para sempre preferiu a falsa virgindade de Brooke Shields, tão bonita e nua em «A lagoa azul»... como foi doloroso conter no cinema, cheio de adolescentes com os mesmos desejos.
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No Verão, esgaçar a pele da piça era pior, por causa do sal
do mar. Era-lhe quase impossível disfarçar o olhar, inquieto, sedento,
ambicioso, guloso, voluptuoso… na praia – sítio de aprazível suplício.
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Elas não lhe ligavam, fingiam que não percebiam. Ele sabia,
porque sabia – mesmo que fosse falso ou fosse verdade – que elas sabiam e
queriam e disfarçavam. É claro que viam e sabiam e à noite também se tocavam,
com gemidinhos abafados, com príncipes perfeitos. Elas pensavam que eles não
sabiam. E não sabiam, mas sabiam que elas faziam qualquer coisa e que, sem o
dizerem ou demonstrarem, era com ele.
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Um dia aconteceu-lhe – cedo ou tarde – como acontece com
todos ou quase todos. Foi estranho e mais estranho o prazer dela. Como funciona?
Vibra por dentro? Questões de metafísica erótica sem resposta e nem ela sabia
explicar. A dele era fácil: crescia, agitava ou roçava e vinha-se. E elas? Cena
estranha e sem materialização visível ou que reparasse. Nem percebia os arfares
ou se verdadeiros nem as contrações nem nada, nada de nada.
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A adolescência passa a quem lhe sobrevive. Antes de a
terminar, apaixonou-se seriamente, durante um quarto de hora por dia, por uma
moça. Gostava das outras, mas aquela. O que deveria fazer? Perguntar a quem? Só
havia heróis ou ignorantes ou os pais… que medo e nojo!
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O que deveria fazer e se fizesse, o que deveria fazer? O que
fazer estraçalhava-lhe o enorme falo que tinha da cabeça ao pénis. Como lhe
fazer saber? O que fazer?
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Escrever e não entregar. Não escrever e emudecer ou rasgar. Não
escrever e entregar e dizer que não escreveu.
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Não escrever e dizer o que poderia estar escrito – esta era
dolorosa. Entregar em branco – parvoíce. Telefonar ofegante de madrugada, como
vira num filme adiantado. E se fosse o pai ou a mãe a atender?
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Gritar da rua para a janela? E os pais dela? E os vizinhos
dela? E se os pais dela se encontrassem com os seus na reunião de pais, na
escola?
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Alguma solução surgiu. Essa ou outra ou outra depois ou
outra qualquer… e depois deu-lhe com os pés. Foda-se, a alma doía-lhe e a picha
continuava a querer. Vingou-se nas que se deixavam – elas escolhiam-no e
pensava ele que determinava. Arre, porra! As doenças! Ai a sida!... Ai, as
outras doenças que não sabia ou julgava serem do tempo antigo, quando os
rapazes, se queriam foder, tinham de ir às putas.
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Deu-lhe um par de patins e um empurrão pela calçada íngreme,
polida e vertiginosa, que talvez nem tivesse chão e só abismo. Ele gostava do
tesão que ela lhe dava. Intimamente convenceu-se que seria um bumerangue. Mas o
que fazer? Que interruptor accionar para que uma luz se acendesse?
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Cortar os pulsos e sair para a rua para que visse ou
matar-se sem dizer ou só dizer que se matava ou dizer que morria sem ela.
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Dizer-lhe que a iria abandonar – como se fosse ela a
despedida. Dizer que a abandonava, mas não a largava. Ir sem nada dizer.
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Chorar-lhe diante dos olhos, porque chorava na calada – ou não
chorava, mas que acreditasse. Contar as intimidades ao mundo, do que se fez e
do que não se fez. Dizer mal. E se ela fizesse o mesmo e revelasse aqueles
momentos esquecidos.
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Suspirava e negava que a queria. Negava e não suspirava. Não
a suportava.
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Um dia descobriu que não a amava, como se um balão tivesse
estoirado durante o sono que, de tão pesado, lhe foi mudo.
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Não amava e dizia que a amava, não amava e dizia que nunca
amara.
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Talvez fosse verdade e nunca a tivesse amado. Não amar e
calar, nada acontecera, porque acabara, terminando num vazio de saudades.
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E se amasse? Uma vingança acalmaria. Namorar com uma colega
dela e disfarçar ou namorar com uma colega dela e embandeirar. Prometer um
regresso sem lho dizer. Prometer um regresso e gritar-lho. Garantir que se
arrependeria. Garantir que se arrependeria e só o dizer aos amigos dela.
Garantir que se arrependeria e só dizer aos amigos. Garantir que se
arrependeria e só lho dizer. Garantir que se arrependeria e ficar calado.
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Teve pesadelos e teve pesadelos eróticos. Ah! A vingança! Afinal
valeria uma revancha. Espalhar que coisava mal e dizer-lhe que fingira orgasmos
mas pedir-lhe uma última cama. Não teve coragem de lho pedir. Não obteria. Evitou
outra derrota.
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Assumiu-se adulto, consciente, sereno e magnânimo. Ser amigo
do novo namorado. Querer matar o novo namorado.
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E se nada soubesse… que raiva se virasse lésbica. Ele haveria
de ter sexo com um homem, para que ao saber se arrependesse, mulher impura
diante dum milagre e recebendo uma graça. Pensou em ter sexo com outro homem…
seria ele macho ou fêmea, sem resposta.
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Temeu ficar gay. E se ficasse haveria de o fazer constar – uma
vingança azeda. E se ficasse gay em segredo e se ficasse tão gay que renegasse
o passado em que desejou mulheres e se ficasse bissexual e se ficasse misógino
e se perdesse as amigas ou se passasse a só ter amigas e começasse viciado em ouvir
Barbara Streyzand, Village People, Madonna, Wham, Gloria Gaynor e soltasse a
loucura nas discotecas gay e se as festas de espuma fossem festas sob a espuma
e se apanhasse sida e se participasse num beijo a três e se fossem três para a
cama – ele e duas ou ele e um casal ou ele e dois – ou mais. E se ficasse
homofóbico… haverá alguém mais inseguro do que um homofóbico?
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Só a sua mãe é pura e a irmã casta. O pai, é pai.
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Casou-se com uma colega do trabalho e tiveram três filhos –
só raparigas. Egordaram os dois sentados no sofá em frente à televisão e pouca
coisa para conversar. Ele quando podia ia às putas e foi para a cama com três
vizinhas – sentia uma ligeira vergonha e um ligeiro gozo e medo quando se
cruzava com os maridos no elevador. A legítima nunca desconfiou ou fez que não
desconfiava e certamente lhos pôs também.
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Na meia-idade queria um descapotável para engatar miúdas. Queria
voltar a bater seis punhetas por dia – de preferência sem esgaçar a pele do
pénis. Mas o ordenado era baixo para carros baixos e as despesas com filhas que entraram na faculdade e eram ursas, quiseram traje académico. Ele fingia-se rígido
com elas, por causa dos rapazes, mas era um banana – mentiam-lhe acerca do ir
estudar para a casa duma colega. Estava certo que, além de castas, eram puras e
não chupavam nem davam a beijar ou até mesmo experimentar.
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Na verdade, passou a vida a pôr os cornos a si mesmo. Tem uma
reforma confortável – porque os bancários têm bons apoios – e se não sofrer de
enfarte do miocárdio, tromboembolia, diabetes, cancro nos pulmões, cancro na
próstata, doença de Alzheimer ou doença de Parkinson ou uma demência qualquer
ou agarrado a uma cadeira-de-rodas… poderá passear sozinho pelo paredão junto
ao mar e ver passar as jovens que correm, com roupas ajustadas ao corpo, suadas
e com as formas brotantes e o odor invisível das hormonas.
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Se nada de mal acontecer – mas ele ou a mulher enviuvará –
poderá viver até aos noventa anos, porque a esperança de vida é grande e o
Serviço Nacional de Saúde não acabou nem a Segurança Social faliu. Continuará a ouvir as mesmas músicas dos anos oitenta e recusar a gordura e a calvície que o espelho mentiroso lhe mostra.
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Há muitos anos que se desacreditou da política e dos políticos
e já não vai ao futebol, porque é tudo uma cambada de ladrões, e acredita que
consegue tudo, mas tem tesão uma vez por mês – nos anos bons.
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O queria mesmo? Voltar a bater seis punhetas por dia.
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E poder dizer à miúda do liceu, por quem se embeiçara, que
se vestia como uma bimba.
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