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Estar parado é um tanto-faz. De olhos abertos ou fechados,
tanto faz. Deitado seminu e encaixado num sofá mole, tanto-faz. Flutuar sobre a
desarrumação da casa quieta, tanto-faz. Dormente de comprimidos esperando o que
se já tem e navegando febril, tanto-faz.
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Tanto-faz tanta coisa, as que importam e as que não
interessam e as que tanto-fazem.
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Tanto-faz não é estar mole, é um dos estados de pré-morte,
donde se regressa ou se faz, porque tanto-faz.
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O pão é d’ontem e tanto faz. Os iogurtes passaram de prazo
há dois dias, tanto-faz. Não há nada para comer, tanto faz. Sei de cor o número
de telefone da Pizza Hut, mas tanto-faz, não morrei por isso e por isso
tanto-faz.
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Amanhã tenho consulta no psiquiatra. Vai espreitar-me para
dentro pelo que sai da boca e que os olhos deixam entrar. Perguntará e só lhe
posso dizer que tanto-faz. Vai perguntar-me e passar receitas e não sei se as
irei aviar ou tomar tudo, pois tanto-faz.
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Amanhã tenho consulta no dentista. Vou gastar dinheiro para
comer confortavelmente e ter uma boca mais bonita. Sinceramente, tanto-faz. E tenha
cárie ou não, tanto-faz.
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Tenho uma estação de metro no final da rua e o comboio segue
directo, mas talvez apanhe um táxi, porque tanto-faz. Se a volta for
fraudulenta estarei alheado porque tanto-faz e se for rápida e correcta estarei
alheado porque tanto-faz.
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A rua tem falta de passadeiras para peões e atravesso-a à
mesma, porque tanto-faz tê-las como não as ter, pode ser-se sempre atropelado. Se
o for, tanto-faz, não há tempo para dar importância aos odores do sangue e do
alcatrão nem às vozes aflitas que dizem:
– Já ligaram para o 112? Vou ligar para o 112.
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Sinceramente, tanto-faz. O prazer não tem erecção e as
erecções são o que sempre foram na espécie humana: erecções. Nada mais do que
erecções. Isso é o animal e o tanto-faz fica.
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O amor?! Hum! Tanto-faz ou se faz, tanto-faz.
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Quando tanto-faz nem os seios redondos e cheios da
adolescente fazem com que não tanto-faça. Quando tanto-faz nem o brilho dos
olhos verdes, nem o penteado à garçonne, nem a barriga lisa, nem os cabelos
compridos, nem o sorriso, nem as palavras, nem as juras, nem a feliz celulite,
nem o peito pequenino que é leito de cheia de beijinhos, nem as vidas, nem todo
o amor do mundo concentrado numa só pessoa. Tanto-faz.
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Tanto-faz é um lugar incompreensível para quem nunca lá
esteve e quase indefinível para quem lá está. Tanto-faz alegre, tanto-faz
triste, tanto-faz que tanto-faça. O que for que seja e o que não for que não
seja.
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Não quero lembrar-me do passado e não quero saber do futuro.
No tanto-faz talvez a única coisa que importe seja o tempo a passar e que de
dentro dele não se saia, nunca amanheça, nunca entardeça, nunca enoiteça e nada
haja que faça. Até ao dia.
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Esse dia, para todos aqueles tanto-faz-como-se-não-faz, será
a semente duma coisa qualquer. Quando o tanto-faz tiver uma consequência pode
ser que. Ou tanto-faça e escorreguem duma vez todas as memórias com as
imperiais bebidas à mesa da esplanada frente à boca que engole ou incinera.
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As traições e ainda assim amizades! A fome e o não ter
muito, do precisar e esperar. Não tanto-faz quando se sabe que aquele corpo com
quem se partilhou a mesa um dia disse:
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– É complicado.
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Quando o amigo em vez de se ver ao espelho, sonhando que eu
o pudesse partir, e assim perdesse a cadeira, não disse e desaconselhou. Na falta
escolheu.
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O que fazer?! Tanto faz.
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Calei ou disse baixinho a alguém e outras vezes chorei até
ao tanto-faz. Enquanto me fizeram corno deixaram-me desamparado como amputado
de préstimo. Quando tive frio e não abriram o armário para me darem um abafo.
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Que fiz, então? Disse tanto-faz, são meus amigos. Corno como
as senhoras de antigamente, calei-me e disse baixinho a alguém e outras vezes
chorei até ao tanto-faz.
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Tanto-lhes-fez-como-não-fez e sabendo que não-tanto-fazia e
que ficaria no tanto-faz. O que fiz?
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Se para uns tanto-fez e fiquei tanto-faz, digo que faço e
faça, para que não perca mais. Já bastam os tanto-faz que me deixaram
tanto-fazer-como-assim-como-assado-como-frito-ou-cozido.
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Tanto-faz é um sítio com duas portas e numa entra-se e deixa
sair e outra por onde só se sai. É um desses locais onde o gemido dos feridos balbucia
o verbo seguinte.
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No tanto-faz espera-se e o tempo é tempo sem tempo. Por uma
porta entra-se e sai-se e a outra abre-se e tranca-se atrás do último passo. Aí
fica o jardim dos insuficientes.
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Se a morte não existe e a vida tanto-faz, que Deus permita desexistir.
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Que bebam imperiais e comam tremoços e amendoins.
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