digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, julho 01, 2015

Para mim tanto faz, pode ser uma imperial e uns amendoins

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Estar parado é um tanto-faz. De olhos abertos ou fechados, tanto faz. Deitado seminu e encaixado num sofá mole, tanto-faz. Flutuar sobre a desarrumação da casa quieta, tanto-faz. Dormente de comprimidos esperando o que se já tem e navegando febril, tanto-faz.
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Tanto-faz tanta coisa, as que importam e as que não interessam e as que tanto-fazem.
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Tanto-faz não é estar mole, é um dos estados de pré-morte, donde se regressa ou se faz, porque tanto-faz.
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O pão é d’ontem e tanto faz. Os iogurtes passaram de prazo há dois dias, tanto-faz. Não há nada para comer, tanto faz. Sei de cor o número de telefone da Pizza Hut, mas tanto-faz, não morrei por isso e por isso tanto-faz.
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Amanhã tenho consulta no psiquiatra. Vai espreitar-me para dentro pelo que sai da boca e que os olhos deixam entrar. Perguntará e só lhe posso dizer que tanto-faz. Vai perguntar-me e passar receitas e não sei se as irei aviar ou tomar tudo, pois tanto-faz.
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Amanhã tenho consulta no dentista. Vou gastar dinheiro para comer confortavelmente e ter uma boca mais bonita. Sinceramente, tanto-faz. E tenha cárie ou não, tanto-faz.
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Tenho uma estação de metro no final da rua e o comboio segue directo, mas talvez apanhe um táxi, porque tanto-faz. Se a volta for fraudulenta estarei alheado porque tanto-faz e se for rápida e correcta estarei alheado porque tanto-faz.
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A rua tem falta de passadeiras para peões e atravesso-a à mesma, porque tanto-faz tê-las como não as ter, pode ser-se sempre atropelado. Se o for, tanto-faz, não há tempo para dar importância aos odores do sangue e do alcatrão nem às vozes aflitas que dizem:
– Já ligaram para o 112? Vou ligar para o 112.
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Sinceramente, tanto-faz. O prazer não tem erecção e as erecções são o que sempre foram na espécie humana: erecções. Nada mais do que erecções. Isso é o animal e o tanto-faz fica.
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O amor?! Hum! Tanto-faz ou se faz, tanto-faz.
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Quando tanto-faz nem os seios redondos e cheios da adolescente fazem com que não tanto-faça. Quando tanto-faz nem o brilho dos olhos verdes, nem o penteado à garçonne, nem a barriga lisa, nem os cabelos compridos, nem o sorriso, nem as palavras, nem as juras, nem a feliz celulite, nem o peito pequenino que é leito de cheia de beijinhos, nem as vidas, nem todo o amor do mundo concentrado numa só pessoa. Tanto-faz.
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Tanto-faz é um lugar incompreensível para quem nunca lá esteve e quase indefinível para quem lá está. Tanto-faz alegre, tanto-faz triste, tanto-faz que tanto-faça. O que for que seja e o que não for que não seja.
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Não quero lembrar-me do passado e não quero saber do futuro. No tanto-faz talvez a única coisa que importe seja o tempo a passar e que de dentro dele não se saia, nunca amanheça, nunca entardeça, nunca enoiteça e nada haja que faça. Até ao dia.
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Esse dia, para todos aqueles tanto-faz-como-se-não-faz, será a semente duma coisa qualquer. Quando o tanto-faz tiver uma consequência pode ser que. Ou tanto-faça e escorreguem duma vez todas as memórias com as imperiais bebidas à mesa da esplanada frente à boca que engole ou incinera.
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As traições e ainda assim amizades! A fome e o não ter muito, do precisar e esperar. Não tanto-faz quando se sabe que aquele corpo com quem se partilhou a mesa um dia disse:
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– É complicado.
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Quando o amigo em vez de se ver ao espelho, sonhando que eu o pudesse partir, e assim perdesse a cadeira, não disse e desaconselhou. Na falta escolheu.
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O que fazer?! Tanto faz.
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Calei ou disse baixinho a alguém e outras vezes chorei até ao tanto-faz. Enquanto me fizeram corno deixaram-me desamparado como amputado de préstimo. Quando tive frio e não abriram o armário para me darem um abafo.
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Que fiz, então? Disse tanto-faz, são meus amigos. Corno como as senhoras de antigamente, calei-me e disse baixinho a alguém e outras vezes chorei até ao tanto-faz.
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Tanto-lhes-fez-como-não-fez e sabendo que não-tanto-fazia e que ficaria no tanto-faz. O que fiz?
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Se para uns tanto-fez e fiquei tanto-faz, digo que faço e faça, para que não perca mais. Já bastam os tanto-faz que me deixaram tanto-fazer-como-assim-como-assado-como-frito-ou-cozido.
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Tanto-faz é um sítio com duas portas e numa entra-se e deixa sair e outra por onde só se sai. É um desses locais onde o gemido dos feridos balbucia o verbo seguinte.
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No tanto-faz espera-se e o tempo é tempo sem tempo. Por uma porta entra-se e sai-se e a outra abre-se e tranca-se atrás do último passo. Aí fica o jardim dos insuficientes.
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Se a morte não existe e a vida tanto-faz, que Deus permita desexistir.
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Que bebam imperiais e comam tremoços e amendoins.

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