digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, agosto 21, 2014

Uma matilha negra de medos

Tenho cansaço suficiente para mais duas vidas. Deram-me desprezo para mais três. O tédio é tanto que temo ter a eternidade para o gastar. Não fosse a dor, diria que não tinha alma.
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A alma serve para quê, afinal? Talvez seja como o apêndice intestinal, cuja função é mandar gente com dores para o hospital. O apêndice dói uma vez na vida. A alma pode doer a vida toda.
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Se formos a alma... o que é o mais provável... viver pode ser uma dor. Uma dor invisível que puxa tendões, arranha nervos, soca órgãos, massacra a cabeça, derruba tudo, ensona doentiamente  ou gera vigílias violentas. Pura retórica. Bem sei que somos alma e o corpo a veste.
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Tenho esperança, murcha e triste, que a morte exista. Bem se vê que não falo do corpo. Morrer, morrer mesmo... a alma consumida, incinerada, fulminada, degolada, qualquer coisa...
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Já o corpo ilude a certeza de ter alma e a cabeça diz.
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Sim, esperança que a morte exista. Que a desistência espiritual seja possível, não haja eternidade nem reincarnação.
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Os afectos são um pedúnculo que liga corpo e cabeça à vida terrena. Afectos? Que afectos?
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Gostava que Deus me desse a bênção de desexistir. Puf! Estar aqui ou lá e... puf! Nem memória restar ou quem quiser que a tenha.
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Que afectos? Pessoas que se acredita poderem dar ombro, afago e ouvição. A convicção de afectos torna tão difícil engolir comprimidos como saltar para a linha férrea ou mergulhar.
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Afectos? Quais... afectos?
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Uma matilha faminta devora-me os dias. Matilha de bichos maus, escuros de olhos de farol, da cor do sangue... que me devorem então e possa partir. Uma matilha de medos.
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Afectos? Que afectos?

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