Levei tempo a aceitar que me deveria assumir como escritor,
aliás poeta.
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Não sou dado a idolatrias. Não por prosápia ou ego
inflacionado. Gosto mais ou menos, admiro técnica, engenho e arte. Quase nunca –
garanto que não por vaidade – digo que gostaria de ter sido o autor deste ou
daquele texto.
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A minha psicóloga perguntou-me várias vezes se eu era
homossexual. Disse-lhe que não. Nunca me senti atraído sexualmente, ou platonicamente,
apaixonado por alguém do mesmo sexo. Sou heterossexual por natureza, sem
preconceitos, sem preocupações nem justificações.
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Contudo há dois textos – um grande e outro pequeno – que gostaria
de ter sido o autor. Quando digo autor tenho de dizer escritor-actor, pois só
nessa condição os gostaria de cunhar. Há mais obras, claro... agora só digo estas
duas:
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«O retrato de Dorian Gray», de Oscar Wilde, em que o que me
fascina não é a ambiência homo-erótica, mas o pacto com o Diabo, a escravidão
da beleza e da juventude. Não é prático passar o texto para o blogue, penso ser
um livro que qualquer pessoa inteligente deve ler.
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O outro é absolutamente perverso, horrorosamente bonito,
nojento na essência e delicioso de contemplar o quão belo pode ser um asco. É pequeno
e citarei na íntegra. O autor é António Botto, poeta pederasta.
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Cito:
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Nunca te foram
ao cu
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nem nas perninhas,
aposto!
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mas um homem como
tu,
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lavadinho, todo nu,
gosto!
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sem ter pentelho
nenhum
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com certeza,
não desgosto,
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até gosto!
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Mas... gosto mais
de fedelhos.
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Vou-lhes ao cu
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dou-lhes conselhos,
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enfim… gosto.
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Fim de citação.
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É duma loucura
que só um louco, um joker, que tanto é como não é parte do baralho, pode
escrever de forma sóbria.
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São dois extremos;
um fora da norma e outro participante duma realidade pouco escondida da Lisboa
pobre e faminta, da primeira metade do século vinte, e de vícios privados, perdoados
na confissão dominical.
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Claro, o
Fernando Pessoa... e o seu fingidor... e o Bocage que não fingia nada. O Camões
que queria mostrar ser quem não era e é tão genial que se pode ler em prosa o
que escreveu em rima e em versos decassilábicos.
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O que vou dizer
não é da minha autoria:
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– Camões
escreveu todos os poemas de amor que podiam ser escritos em língua portuguesa.
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Quem o disse ajustou
a afirmação ao que terá dito Richard Wagner, que só compôs uma única sinfonia –
Sinfonia em C maior WWV 29. Conta-se que terá dito que não valeria a pena
escrever sinfonias, porque Beethoven as tinha escrito todas.
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Não me apanham
na triste e miserável figura de desafiar génios. Todavia tenho clarificar que
Luís de Camões escreveu os melhores poemas de amor de língua portuguesa, mas
falhou o melhor.
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O quase obscuro
João Ruiz de Castel-Branco uniu as melhores palavras para um encantamento
amoroso. Não é um seguidor, imitador ou usufrutuário do talento de Camões, pois
desencarnou nove anos antes do maior poeta português nascer – esqueçam lá o
Pessoa...
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Cito:
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Senhora, partem tão tristes
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meus olhos, por vós, meu bem,
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que nunca tão tristes vistes
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outros nenhuns por ninguém.
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tão tristes, tão saudosos,
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tão doentes da partida,
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tão cansados, tão chorosos,
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da morte mais desejosos
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cem mil vezes que da vida.
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Partem tão tristes os tristes,
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tão fora de esperar bem,
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que nunca tão tristes vistes
.
outros nenhuns por ninguém.
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Fim de citação.
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São seis horas e trinta e quatro
minutos e o Sol já se mostra. Canso-me nesta escrita como se tivesse medo de
morrer antes de vomitar o que penso acerca de.
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Tudo começou enquanto esperava
pelo Pedro BB na Brasileira do Chiado – não foi de propósito – quando magiquei
no que terá escrito o poeta que dá o nome à mais nobre zona de Lisboa.
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Do Chiado só conheço a beleza
da área; dos estragos que o arquitecto Siza Vieira abateu depois da tragédia
(maior) do incêndio de vinte e cinco de Agosto de mil novecentos e oitenta e
oito; da estátua desse poeta invisível conversando; e da escultura de Lagoa
Henriques, que é uma grande maldade ao Fernando Pessoa. É que nem
anatomicamente... por um triz e podia ter descido ao nível de Soares Branco,
que, apesar de tudo, tinha a virtude da inconstância: ora saía bem ora era uma
cagada. O Lagoa Henriques foi sempre regular e consistentemente medíocre – e era
professor nas Belas Artes.
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O que escreveu então António
Ribeiro Chiado, poeta satírico e contemporâneo de Camões, que justifique um
monumento?
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Estou no grupo de quem não
leu Chiado: éramos, em 2011, 10.562.177 ignorantes. O outro que falta na
estatística oficial é José Pacheco Pereira, o intelectual indomável, que diz
pior do seu partido e governo do que qualquer adversário e que se vivesse no
período da Monarquia Constitucional recusaria publicamente um título de barão, por
ética, mas sofrendo porque queria ser duque.
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Procurei e encontrei. Cito:
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Guardar de cão que manqueija
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e de homem mui fraqueiro;
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guardar de quem de ligeiro
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em tomar nunca se peja;
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guardar de quem deseja
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o alheio e quanto vê;
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guardar de esperar mercê
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por modo de lisonjear;
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guardar de praticar
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entre pessoas não certas;
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guardar das encobertas
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e de quem fala à vontade;
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guardar de falar verdade
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a quem trata com mentira;
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guardar de quem suspira
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co’o pesar do bem alheio;
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guardar de quem sem freio
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diz cada vez o que quer.
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Fim de citação.
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Já percebo por que não se
divulga Chiado no ensino. Confesso que a busca foi breve, mas se o peixe que se
apanha é este...
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Pior talvez o António
Sardinha com o seu Integralismo Lusitano... o homem era monárquico – o que não
é defeito – e contra uma Constituição. Sendo que nasceu em 1887 tinha mais de
um século de atraso mental.
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Vejamos. E cito:
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Fiel ao sangue, nossa irmã
germana,
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chora Olivença as suas horas más
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junto do rio que tornou atrás,
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quando soou a trompa castelhana.
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Ó Casa de Antre Tejo-e-Guadiana,
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lembra-te dela que entre ferros
jaz!
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Não a dobrou a guerra nem a paz,
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– fiel ao sangue, o sangue a ti
a irmana!
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E todo aquele em quem ainda viva
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o ardor da Raça e a voz que nele
anseia,
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se for p'ra além da raia alguma
vez,
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é Olivença, nossa irmã cativa
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lá onde com surpresa a gente
alheia
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oiça dizer adeus em português!
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Fim de citação.
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Antes de acabar tenho de
desabafar!
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A escultura de Chiado é viva,
cheia de espírito gozão, um retrato plausível desse poeta do século dezasseis,
da lavra de Costa Motta (tio). A do Pessoa é aleijada e tão sonolenta e óbvia
que serve apenas para os turistas se pousarem na cadeira que o escultor deixou
vaga junto à mesa onde se sentou mumificado o poeta. A estátua do Camões é
aborrecidíssima e foi plasmada por Víctor Bastos... a estátua é um boneco!
Podia ser um rei, um deus do classicismo ou o Camões. O António Sardinha tem
uma praceta – proclamada praça – que é simpática. Não sei se tem estátua...
sinceramente nem irei espreitar.
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Os nossos melhores poetas
mereciam melhores escultores.
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Pergunto-me, pergunto-te, que
se fará quando morrer o Herberto Hélder?
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O corpo cabe em qualquer
lado, a poesia sobra nos Jerónimos e em Santa Engrácia. Talvez dêem o nome a
uma rua num bairro dormitório.
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