Não é torpor nem sono, é levitação. Uns dez centímetros
acima da realidade, o que não me interessa. Nem sei se tenho pescoço no fim da
cabeça ou troco abaixo. Parece-me sentir – não chega a ser ouvir – um vrruuum
em mim em ligeiros câmbios, do suposto levantar ao alegado caminhar.
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Talvez não esteja vivo, pois insinto o deslocar do ar da
passagem, só o eventual vrruuum.
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Se fecho os olhos penso-me dentro dum ovo ou passageiro duma
nave silenciosa a voar do conhecido para o incerto.
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Esforço-me na concentração e lembro-me do colo da avó
materna, duas vezes mãe, a quem pedia socorro e deitava a cabeça.
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Um remorso de não a ter amado como devia e ela sem nunca se
queixar, com a paciência longa e calma de quem conhece o segredo da eternidade.
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Um remorso que faço esquecer. Aquele colo e mãos, a voz
quieta, o tempo sem tempo... penso como se estivesse dentro dum ovo.
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A candura e a paciência dos santos, desta minha mãe e mãe da
mãe.
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Podendo dizer injustiças... quendera largar a tralha e o
corpo para que este meu levitar crescesse em voo.
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Triste. Apenas um fio de seda prende a âncora que me segura.
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A vida tão frágil e um desejo marinheiro.
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Sim, gostaria de partir. Guardando em fetal como dentro dum
ovo.
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Se fecho os olhos sinto o motor cantar vrruuum e apenas o
silêncio vagaroso que se interrompe fora de mim.
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Saudades serão prováveis, o lastro fixa-me.
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Vrruuum... soltar, largar e subir.
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