digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, julho 02, 2014

De ouro

Que falas de silêncios e os que guardaste.
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Donde fujo, mergulhando no ruído do tudo à volta.
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Morre-se aos bocadinhos e morri-te, devendo morrer-me.
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Sim também morri-me e no silêncio longo morreste-me um bocadinho.
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(suspiro de confissão e arrependimento, ponderando as palavras)
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Com que cores se pintam o ruído e o silêncio?
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O silêncio é fácil: preto para opaco, branco para liberdade e cinzento para o que sobrevive no caos. Os matizes que provam o ouro.
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O ruído é encarnado? Fora do recato, cada ânimo tem uma cor e cada seu matiz – difícil.
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Depois daquelas palavras e da partida a meio da noite há uma parede sem nada.
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Estou há dias sentado, num muito desconfortável banco de madeira, desequilibrante com as suas três pernas, a pensar na parede e nos filmes que projecto.
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Comecei no passado e não me demorei no futuro.
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(Estou a olhar para a parede enquanto construo este texto na cabeça – acima da testa e no começo da curva superior do crânio – que reescreverei com letras).
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Quando se escreve na cabeça não se rasgam folhas e não há erros ortográficos ou de sintaxe. Por outro lado, há poucas transgressões – uma chatice suíça.
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A luz nítida das quinze horas vai-se e é parda e a parede camufla-se. À noite não dorme.
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Não sei por que é depreciado falar-se com as paredes se falamos com as almofadas.
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(...)
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A almofada é mãe e a parede é padrasto?
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(...)
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Disseram-me:
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– Em Portugal não há nenhum local em que haja silêncio!
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Não é verdade!
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Que silêncio?!
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Devia ter perguntado.
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A minha cabeça não conhece o silêncio, é cansativo.
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Muitas vezes não tenho paciência.
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Quase todas as vezes em que não tenho essa paciência tenho vontade de fugir.
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A fuga tende a cair para dentro dum frasco ou para a linha suburbana.
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(...)
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Será?
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(...)
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Outro dia estava perdido de sono e não me deixava dormir por causa de todas as raivas que me lembrei.
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As raivas e os desaforos engolidos, as figuras patéticas, as humilhações sofridas e as humilhações infringidas.
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(...)
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(...)
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Não consigo calar-me quando abraço, mesmo nos íntimos, mesmo nos de conjuntura.
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É mais fácil não chorar.
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Por si só, não tenho medo de abraçar.
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Tenho medo dos olhos e de seu olhar, da voz e seu engasgo surdo e hesitante, tenho muito medo antes de abraçar.
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Por isso nem às praças largas vou encontrar-me com a voz do fim do silêncio.
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O deserto não existe e as noites não são vazias.
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O tempo que agora está bom foi uma longa espera.
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Longa e dolorosa do silêncio.
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O tempo de azul e vento manso, que é suposto estar e ficar, pede para deixar a janela aberta e a luz acesa.
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Que a voz entre discreta e pouse diante e dela renasçam silêncios de ternura.
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(...)
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Qual será a voz. Que dirão as bocas...
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(...)
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Demasiado o que disse, demasiado o que dei a carga.
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A minha dor pelas dores causadas e a dor de ficar e esperar.
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A dor do silêncio, a vergonha triste da vergonha.
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Compreender não anestesia, até aviva.
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(...)
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O ruído que tenho diz-me que aguarde uma maré baixa nocturna para que possa ter mais para andar e pensar no limite da surpresa.
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(...)
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Que silêncio que me pede o ruído da cabeça.
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Tenho medo do momento do primeiro olhar e do primeiro movimento.
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Tenho medo do que possa fazer e do que não possa, do que deva e não deva.
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Tenho pânico de cair do abraço abaixo.
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Tenho pânico de ver o chão alagado da tristeza da descorrespondência ou da correspondência.
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Tenho medo das ausências, que mostram mais.
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Tenho medo das presenças, que mostram a mais.
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(...)
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A parede não me responde.
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Na noite passada a almofada deu-me angústias.
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(...)
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A minha voz que violou o silêncio e o moral que som terá agora nos ouvidos de quem guarda silêncio?
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Que som terá o primeiro som após meses que sinto injustos e que ouvirei e estarei disposto a ouvir e que estarei pronto a dizer ou a calar.
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Quantos se salvaram no desastre?
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Não quero contar cadáveres. Não contarei.
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Se o tiver não poderei falar e farei o silêncio dos impotentes, dos tristes, dos derrotados.
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(...)
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O que posso dizer?
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Agora não tenho ânimo para assaltar o boião nem para me debruçar para a linha nem para abraçar num silêncio que todos verão.
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(...)
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Tenho muito medo.
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Muito medo e não o poderei contar nem calar.
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(...)
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Suspiro... que fazer se não fugir.
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Tenho muito medo.
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Nota: a AS e V.

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