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Quendera o amor da idade primaveril, em que tudo não é nada e o pouco é sempre pouco e o tanto, muito pouco.
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É sabido que não se morre. Morre-se por muita coisa. Morre-se por muita coisa e um dia morre-se duma só vez, para que um dia se renasça e se possa fazer tudo, outra vez.
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Até se morre ao sábado. Nos dias úteis. Quando se morre é sempre domingo. O susto dos tédios torna-se medo das saudades. Morreste para longe, mas não em mim. À noite encontramo-nos. Acordados sozinhos em casas separadas, sem que os corpos se tenham tocado, mesmo quando se fez amor.
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Sei, porque vivo estou morto e, tu, viva és fantasma. Para ti sou outro espectro. Sabemos que não se morre, nem quando se está morto. Mas deixamo-nos mortos, negando estar vivos.
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Ao largo do grande amor está encalhado o que se teve um dia. À noite, quando não nos vemos, visitamo-lo. Sem vontade nem coragem de dar corpo à vontade, de levar a carcaça ao porto da cama.
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Gosto de camas desfeitas, impregnadas de amor. Tu delas feitas, recuperadas da felicidade e preparadas solenes para renascer, em afecto, mais tarde. O que se faz a duas pessoas separadas na vida, unidas aquém e além da morte, queimando a eternidade numa separação infeliz?
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Ao largo do meu corpo está o amor maior. Presente, enfrentando todos os amores que chegaram. Vendo partir todos os que vieram.
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À noite, à socapa, sento-me, na praia em que durmo, e admiro a beleza dos dias que foram. Sinto-te do outro lado da costa, de cabelo entretido pela brisa, contemplando em suspiro o tempo em que se não morrera.
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Sei porque nos vemos à noite, quando estamos mortos. Fazemos amor sem os corpos, distantes, na ilha adjacente às vidas. Terra onde as quedas d’ água são aos soluços e as aves se calam, em saudades, os nossos segredos, que sabemos um do outro.
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Quando estamos mortos ainda sentimos as dores da morte que nos separou em lágrimas. Mas fazemos amor, antes que a manhã ilumine e apague o amor, ao largo.
1 comentário:
ei você ganhou um selo do versosdeluz, vá lá ver!!
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