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No Verão há refresco na água. À sombra das árvores descansam carne e ossos. Os pensamentos aliviam-se no vento e a alma levita com os cantares avoantes.
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Um avião passa lá no alto, e fica o rasto do seu voo. Mudo em todo o tempo em que traçou a linha feita de nuvens. Cá, imagino as conversas de lá. Sentimentos e ânsias. Imagino pessoas e destinos.
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Sou da cidade. Nos caminhos velhos doutra Lisboa há província e azinhagas. Memórias toponímicas. Sou da cidade e cabem em mim jardins bucólicos. Nostalgia do tempo em que não era vivo.
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Agora neste prado com árvores e ribeiro não tenho tempo. Existo porque vivo. Vivo sem que me doam os dias. Só dores de gente crescida. Dias sem fim. Noites de confissão.
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Noites de confissões, sentados à porta da casa, sob uma árvore, vê-se o céu, contempla-se a vida. Pensa-se em Deus e no infinito. Todas as questões sem resposta. Vêem-se estrelas. Será alguma a nossa? Ouvem-se grilos ou cigarras. Sou da cidade.
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Noites. Conversas intermináveis. Conversas justas. De Amor. De vida. No Verão, à noite, pode estar-se abraçado lado a lado e sem tocar. No calor. No frio o enlace é no lume. Agora é Verão.
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Gosto de árvores: das oliveiras velhas, porque belas. Azinheiras, sombra. Laranjeiras, fruta. Figueiras, aroma. Ciprestes, alma. Em algumas há formigas, comichão.
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Sob a árvore grande estou estiraçado ouvindo o ribeiro, cigarras, pássaros e outros irmãos. Sob a árvore grande olho o céu sem nuvens nem pressa. O avião foi e o trilho dissipa-se até à inexistência. Só as minhas palavras lhe dão memória.
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A tarde passa-se. A tarde esvaiu-se à sombra, regada pela música ribeirinha. Alguma sede. Preguiça de beber. Sou da cidade: deambulando pelas azinhagas do prazer bucólico.
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Que bem me ficaria a imensidão das charnecas frente ao mar. Ainda seria da cidade? Não vivemos.
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