
Felizmente não tenho receio das alturas nem sofro com as alturas. Felizmente também não tenho vertigens. Felizmente levaram-me a conhecer a Serra de São Mamede, ali para os lados de Portalegre. Mesmo que me amedrontassem ou afectassem os cumes dos cerros, aquelas montanhas que, no máximo, sobem a 1025 metros de altitude não chocam os nervos, antes acalmam os olhos e o espírito.
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Por ali deleitei-me em enlevos e cheguei a uma quinta bem edificada, no sentido de bonita e harmoniosa, mas também de grande. Notei com alguma estranheza o topónimo quinta no Alentejo, quando a normalidade dita chamarem-se herdade as propriedades rurais. Chama-se da Quinta da Queijeirinha, aquela quinta, orlada de floresta e recheada de vinhedos e pomares.
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Porém, não é este o nome que está a dar fama aquele pedaço de terra. Foi o vinho que me levou até àquela quase lonjura (isto de sair de Lisboa é uma canseira) e é o tinto que leva lisboetas e outros portugueses até à muito desconhecida Serra de São Mamede. Muito embora não tenha uma altitude prodigiosa, chama-se Altas Quintas, o vinho da Queijeirinha. Não sendo o alta montanha, trata-se de montanha, donde resulta vinho com altitude, com características diferentes das mais habituais nos alentejanos.
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O Altas Quintas estreou-se há um ano e agora apresentou-se o Altas Quintas Reserva 2004, filho maioritário das castas trincadeira e aragonês, com cabernet sauvignon, alfrocheiro e sirah no lote. Este é um vinho exigente que na boca revela ameixas, frutos do bosque e café.
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Depois da visita à Quinta da Queijeirinha, o produtor, João Lourenço, mostrou-me um aconchegado local de regalos à mesa, chamado de Tomba Lobos, junto à aldeia de Alegrete. O apetite não sabe bem para onde sorrir, mas houve um que me ficou teimosamente a atasanar a memória: carpaccio de porco. Explicá-lo é quase simples: fatias muito finas de toucinho do bom, bem apaladado e manipulado pelo chefe José Júlio Vintém.
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Felizmente o pecado da gula paga-se mais tarde. Dirá um padre ou um crente fervoroso que irei arder no Inferno por causa dela. Dirão os optimistas que se me arrepender a tempo ainda poderei ter salvação, embora talvez não me livre da penitência. Dirão os médicos e os chatos da vida saudável que as minhas análises devem andar «bonitas». Como sou, ou estou, irresponsável encolho os ombros e continuo na mesma doce vidinha.
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Não sabia que eram hortênsias.
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Gosto do Douro como de poucos locais de Portugal e do mundo que conheço. Não apenas pelos degraus de vinhedos e pelo rio de verde escuro, mas também pela afabilidade das gentes.
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Sempre que lá vou tropeço e caio nos braços de alguém do Baixo Corgo, do Cima Corgo ou do Douro Superior: é sina! Uma vez foi alguém de lá que tropeçou e caiu e veio parar à capital, andava eu a preparar uma reportagem sobre aquela região. Do ocasional encontro em Lisboa resultou uma ida à quinta e apresentação a uma boa parte da família dos Tiagos, estabelecida em Peso da Régua.
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Não é grande, a quinta dos Tiagos, mas já se mostra na região, com 11 hectares.
Quando me disseram o nome da quinta soltei uma exclamação de ignorância. Mas que raio são hidrângeas? São hortênsias! Muito comuns nos Açores, disse-me um dos Tiagos. Achei que mangava comigo, mas sorri.
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Naquele espaço cabe uma enormidade de castas: touriga franca, tinta roriz, tinta barroca, tinta amarela, sousão, rufete, alicante bouchet, bastardo, tinta francisca e tinto cão, que todas juntas, devidamente lotadas, dão o Quinta das Hidrângeas. E o que têm dentro as garrafas com a colheita de 2003? Um vinho elegante, onde se prova fruta madura e muito encanto duriense.
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Podre de Bom
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A podridão não é, por regra, nada que alguém goste e ainda menos se orgulhe. Porém, há uma podridão que dá nas uvas que é saudada e até fomentada, de modo a criar uns vinhos especiais.
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Resumindo, simplificando e abreviando: as uvas são deixadas até mais tarde na vinha, acentuando os sabores maduros até ao momento em que ficam afectadas pelo fungo botrytis cinerea, responsável por um paladar característico. Estes vinhos, comummente designados por colheita tardia ou «late harvest» vão bem frescos, servidos como aperitivos a acompanhar patés ou no fim das refeições escoltando sobremesas.
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Confesso: Eu só não vendo a alma ao Diabo por um vinho de colheita tardia, porque já a vendi... embora possa sempre voltar a tentar indrominar o Belzebu.
Os húngaros e os eslovacos reivindicam para a sua região de Tokay a primeira utilização de uvas com podridão nobre, mas a reclamação da descoberta é feita também pelos alemães, que alegam que o primeiro «late harvest» foi um Rheingau.
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O certo é que a fama dos colheita tardia correu mundo e hoje fazem-se onde há vinhas e humidade. Portanto, chegou também a Bucelas, às portas de Lisboa. No Chão do Prado faz-se um com a casta arinto. Tem toques minerais, mel, laranja e madeira. Vem aí o Natal e pode ser uma ideia experimentá-lo com Bolo Rei ou Bolo Inglês.
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