digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, fevereiro 17, 2009

Acerca da santidade - a propósito da canonização de D. Nuno Álvares Pereira





















Hoje proponho um exercício acerca da santidade. Peço desde já aos ateus e agnósticos que façam um esforço para ler estas linhas com olhos de crente, não lhes peço que o sejam. Só peço alguma agilidade de raciocínio. Porém, não é nada difícil, pois nem eu sou filósofo nem a questão me parece substancialmente complexa. O exercício poderá ser mais complexo para que acredita em Deus; há várias religiões e muitos credos. As questões podem ser mais ingratas para os católicos apostólicos romanos.
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Isto vem a propósito da canonização ou hipótese de canonização de D. Nuno Álvares Pereira. Sei que a Igreja Católica Apostólica Romana vai fazer uma votação, mas não sei se o resultado não está já tomado. Coisa que, aliás, não seria inédita e que não difere das práticas dos partidos comunistas deste mundo ou, de forma mais dissimulada, como os referendos contínuos de Hugo Chàvez até que dêem o resultado pretendido pelo ditador ou como os referendos acerca da liberalização da morte através do aborto, que também foi votada até dar o resultado que se queria e nunca mais a questão voltará a ser posta, porque esta é a que «interessa». Portanto, em matéria de democracia não devemos aprender muito com a Igreja Católica, mas também não é esta estrutura eclesiástica a única prevaricadora.
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A agência noticiosa Ecclesia informou ontem, 16 de Fevereiro de 2009, que o condestável de D. João I iria subir do patamar de beato para o terraço de santo. Neste sábado que vem (e há-de ir) realiza-se um consistório público para a votação de dez causas de canonização. O senhor Papa vai lá estar. A agência adianta ainda que esta reunião é um acto formal, em que Bento XVI pede a opinião a um conjunto de cardeais (que são aqueles que têm umas roupas lindas de negro e escarlate), que, por acaso, até já responderam se concordam com a canonização.
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Portanto, a santidade não se faz dum conjunto de virtudes morais e espirituais, mas por concordância duma maioria. Não fossem os cardeais, príncipes da Igreja, nomeados, e de forma vitalícia, poderia dizer-se que a canonização reflectia um espírito democrático. Por outro lado, se a decisão já é sabida, para que raio fazem uma reunião? Para mais, pública… não bastaria um comunicado?! O que estão os simples mortais paisanos lá a fazer?!
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Porém, o que me choca não é se o consistório é público ou privado. O que me encanita é a santidade ser fruto da opinião dum punhado de cardeais. Senhores! Acredito que Deus é justo e bom. Que ama todos os seus filhos por igual. Que tem consigo, trabalhando na sua vinha pelo aprimoramento moral e espiritual dos homens, filhos mais evoluídos, que podemos chamar de anjos, santos, etc.
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Se Deus é inteligência suprema e causa primária de todas as coisas, será que precisa que um Papa e uma mancheia de cardeais decida, decrete e torne pública a santidade de alguém?! Pode alguém, honestamente, dizer que sim, que precisa?!
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Será que os católicos apostólicos romanos não pensam nisto ou pensam e baixam as orelhas, porque não têm a coragem de dizer que o Rei vai nu?! É que uma coisa é fazermos parte o rebanho do Senhor, outra é sermos ovelhas por direito… é que os ovinos não se questionam e não devem quase nada à inteligência.
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Esta coisa da popularidade não me parece ser um atributo válido para canonização. Quando João Paulo II desencarnou, gritou-se na praça de São Pedro: Santo subito! Ou seja, já. O homem era muito querido pelos fiéis, pelo que merecia subir de elevador até à santidade, distância que outros tiveram de subir, padecendo, pelas escadas … que devem ser muitas.
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Constou-me que o nosso Santo António de Lisboa foi o quem mais depressa percorreu a estrada para a santidade. Já o nosso D. Nuno Álvares Pereira parece ser um aluno repetente, que vai chumbando todos os anos e que, só agora, vai prestar provas no exame. Ora, depois de séculos a tentar entrar no clube restrito dos santos católicos, o Santo Condestável conseguiu tornar-se beato em 1918. Contudo, os seus apoiantes meteram os papéis (literalmente) para santo em 1940. No entanto, a comissão nacional para a candidatura de Nuno não teve os conhecimentos certos, as cunhas, e / ou não soube mexer os cordelinhos certos, e aquele bom português só agora tem reconhecimento. Quer isto dizer: até 1918, Nuno era um borra-botas, bonzito e tal, mas sem relevância. Mas nesse ano, talvez por causa da participação de Portugal na Primeira Guerra Mundial (não nos esqueçamos que Nuno era condestável e génio militar), passou a ser «alguém» notavelmente bondoso. Agora é, definitivamente, bom… santo. Quem o disse? Deus? Não! Os homens!
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Sei lá se D. Nuno é santo. Não sei. Não tenho autoridade moral e espiritual para o afirmar. Sou apenas um simples crente em Deus e essa matéria não é da minha competência. Mas não tenho eu e não terão todos, ou a maioria, dos eclesiásticos que o decretaram, ou vão proclamar.
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A questão da popularidade também se põe ao contrário. Recentemente, há uns anos, a Igreja Católica Apostólica Romana tirou alguns santos dos altares. Porquê? Porque sentiu dúvidas acerca da sua existência e dos milagres que os tinham promovido. Se os homens os erguem, os homens os derrubam.
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O raciocínio está todo errado. É que milagres não existem! Tudo tem uma explicação lógica e racional. A ciência, a filosofia e o conhecimento, em geral, não conseguem negar a existência de Deus, mas desmontam o que os homens põem na sua boca. E isso a Igreja Católica Apostólica Romana (e outras) não percebeu, não compreendeu com base nas experiências do passado, pelo que confunde os conceitos.
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Se a Igreja Católica Apostólica Romana se assumisse, de facto, como feita por homens, com as suas limitações, e compreendesse que não há milagres, não passaria por vergonhas como as que passou. Hoje, envergonhados com as posições totalitárias e obscurantistas de seus predecessores, os prelados querem tornar plausível o que antes era maravilhoso. Deviam celebrar a bondade, a caridade, a humildade e outros nobres atributos. Não os milagres atarrachados aos homens.
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Isto já para não falar no politeísmo católico. A cada santo o seu pelouro, a quem se reza conforme a especialidade. Até a organização da Igreja Católica Apostólica Romana deriva da utilizada no Império Romano. Nem mais! Além do suborno e tráfico de influências que, supostamente, envolvem os santos… é a velinha e a esmolinha na caixa para que se faça o milagre, é a promessa para que algo seja concedido. Contra isto, esta crendice, nunca ouvi uma palavra ao clero católico.
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Nesta coisa das despromoções de santos criam-se situações incómodas. O que fazer a São Patrício, padroeiro da Irlanda? Se não o fosse poderia ter sido retirado do panteão, tal como Estaline fez com as fotografias dos seus bons camaradas, que foram deixando de o ser. É que entre os milagres de São Patrício está a expulsão das cobras da ilha.
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Um outro exemplo de como os católicos não se interrogam ou não sabem dalgumas maroscas da sua Santa Madre Igreja: Quem foi Santa Isabel? Bem, rainha de Portugal… ou dir-se-ia da Hungria? É que há as duas, aparentadas por sinal, e realizaram os mesmos milagres, incluindo o, tão nosso, das rosas.
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Voltando atrás. Se pensam que o processo de erguer um espírito à categoria de santo terminou, enganam-se. É que o Papa ainda há-de dizer quando é que, exactamente, o homem se torna santo. Não basta os senhores cardeais votarem e revelarem o seu voto colectivo, é necessária uma cerimónia que levantará, por fim, o homem à categoria superior. Deve concluir-se que quem faz os santos não é Deus, mas os homens, reconhecidos pelas suas virtudes… numa determinada conjuntura histórica. Hoje, São Jorge já não mataria o dragão. Pormenores.
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A coisa tem ainda outros contornos. Diz a Igreja Católica Apostólica Romana (tal como os restantes cristãos, judeus e muçulmanos) que Deus é único. Ou seja, de todos. Ainda que não queiram ou saibam, é-o também dos xintuístas, animistas, hinduístas, sikhs, budistas, etc. Então, por que não há santos doutras religiões reconhecidos pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana? Por outro lado, por que a generalidade dos santos é posterior à instalação do rito católico?
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Porque Deus é justo e bom, e universal, é que há homens bons em todas as religiões, em todas as latitudes e longitudes, em todas as épocas. Entre os agnósticos e os ateus. Tenho a certeza que Deus prefere um bom filho ateu do que um facínora rato-de-sacristia.
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No entanto, as diligências dos eclesiásticos católicos não se fica por aqui. Enquanto em Portugal se pondera a divisão do território, através da regionalização, nos vastos territórios da espiritualidade o movimento é inverso, de concentração. Primeiro havia o Céu e o Inferno. Depois, a Igreja Católica criou o Purgatório e, mais tarde, o Limbo. Há poucos anos, o Papa extinguiu o Limbo. Porque tem mais lógica, provavelmente, como antes tivera o inverso. E lá devem andar as alminhas aos tombos dum lado para o outro, numa azáfama à procura do novo lugar a que agora pertencem. Não é Deus quem organiza e reorganiza os mundos espirituais, mas o clero católico.
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Dir-se-á que as decisões do Papa são inspiradas pelo divino… enfim! Quero só recordar que os Papas são escolhidos por cardeais, inspirados pelo divino Espírito Santo - dizem. A avaliar pelas obras e perfis de alguns pontífices, os prelados não distinguiram o corvo agoirento duma alva pomba.
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É por estas e por outras que não compreendo como gente boa e inteligente ainda alinha com a Igreja Católica Apostólica Romana, com o seu clero. Não pensam, nunca pensaram, não querem pensar ou… não conseguem.

5 comentários:

Raquel Alão disse...

Olha, peço desculpa mas fiz, mais uma vez, uma leitura transversal do texto já que, feliz ou infelizmente, tenho a existência ocupada com outros afazeres (comezinhos ou não).

A Igreja dos Santos é a Igreja Invisível. Ninguém sabe quem participa da Comunhão dos Santos, com excepção de Deus. O que não invalida que a Igreja Católica Apostólica Romana, sedeada em Roma e tendo o Papa como chefe supremo da mesma, não sinta, em conformidade com o espírito de cada época e com as possibilidades que o mesmo lhe permitia de discernimento, necessidade de dar ao "seu rebanho" exemplos que considerava a seguir, luzes na escuridão se assim me permites o termo. Ora, não vou aqui discutir os meandros da canonização dos santos pela Igreja, coisa que tu, pelos vistos, como cristão não católico, pareces saber bem mais do que eu. Mas são luzes na terra, escolhidas pelos homens, pelos métodos hemanos e dentro de uma instituição que não anda a enganar ninguém (não é uma instituição democrática e nunca se afirmou como tal, ao contrário de muita pseudo-democracia que por aí pulula, e nem precisas de sair do teu país). Quantos há que não serão luzes no Céu, no anonimato da sua existência terrena.

Raquel Alão disse...

Confesso que não percebo muito bem o teu interesse no assunto, já que, efectivamente, é uma questão interna de uma confissão cristã muito particular. Mas isso provavelmente é padecimente geral de muita confissão cristã não católica apostólica romana. Per si ninguém percebe muito bem o que são porque se definem sempre em oposição e antagonismo ao Catolicismo Romano, esse sim herdeiro de uma tradição filosofico-teológica estruturante e coerente. Com a devida excepção da Igreja Ortodoxa. Resumindo a coisa, é um pouco a diferença entre nos definirmos como "nós somos" ou "nós somos contra". Que são coisas bem distintas.

Creio que apreciaria bem mais um texto teu acerca da fé que professas, que o apedrejar de telhados de vidro que li, mais uma vez o refiro, transversalmente. Em qualquer estrutura humana coexistem os mais elevados méritos e as maiores fraquezas. O que me atrai no Catolicismo, mais do que em qualquer outra confissão, é o rosto que me mostra de Deus. Um rosto de amor, de compaixão, de caridade (no verdadeiro sentido cristão da palavra), de perdão e misericórdia.

João Barbosa disse...

não atirei pedras aos telhados do viznho nem tenho nada contra os católicos. O que escrevi foi acerca das incongruências e das atitudes do clero católico. Uma coisa é fé e religião, outra coisa é estrutura eclesiástica. Penso que confundiste as coisas. O que desafiei foi os católicos a interrogarem-se acerca de procedimentos da sua hierarquia, que se mostra bem mais presa aos seus rituais e conceitos do que ao trabalho que deveria realizar. Se podemos contestar partidos políticos, correntes filosóficas, podemos, pelas mesmas razões, fazê-lo em relação à religião dominante, que só por isso merece mais ser questionada, além de gozar de privilégios que outras não gozam.

Raquel Alão disse...

:-)

Não tens nada contra os católicos, mas sim contra a confissão que professam. Pois eu não tenho problemas absolutamente nenhuns com a forma como são canonizados os santos pela Igreja. Tem a ver com a evolução própria dos tempos e épocas, de concepções teológicas que me escuso a referir, visto que é uma caixa de comentários e o assunto dá água pela barba.
É claro que estás à vontade para contestar! Graças a Deus pela liberdade de expressão a todos os níveis e não me parece que a ICAR se já aborrecer muito com isso. Os católicos têm as costas largas. Não se faz muito mais que contestar, de todas as formas possíveis, os mesmos nos meios de comunicação social nos últimos anos. Também não me vou pronunciar relativamente aos privilégios da ICAR sobre outras religiões e confissões, porque é inegável, pelo menos no que toca ao panorama português. Na Índia, serão outros quejandos, por exemplo. Ou no Iraque...

Quanto ao trabalho que a hierarquia deveria realizar, confesso-te que não estou por dentro do que são os objectivos e funções de quem está nas mais altas esferas de poder na Igreja, apenas conheço o que posso constatar da realidade à minha volta e não tenho muitos motivos de queixas relativamente ao trabalho da Igreja portuguesa junto dos mais necessitados. Aliás, creio que tem feito, há largos e bons anos, o papel que deveria, em muitos casos, caber ao Estado. Mas isso seriam outros "questionamentos" que, infelizmente, nas páginas de uma revista não aumenta tanto o número de vendas como uma qualquer notícia do mesmo cariz relacionada com os incumprimentos eclesiásticos.

Incógnita disse...

Não acredito num Credo que fala no perdão e no momento seguinte me acena com o Inferno e o castigo pelo pecado cometido.
Não acredito num Credo que me diz que Deus tudo criou, e depois não insere a minha capacidade de duvidar dele na categoria de coisas por Ele criadas (se é bom foi ele que criou, se não, foi um palhaço qualquer que lhe roubou a varinha quando ele estava distraído). Não quero acreditar num Deus que só me ama se eu o adular continuamente. Não aceito um credo que defende a igualdade dos "Homens" perante Deus e depois trata a mulher como criação de segunda, vedando-lhe o acesso ao sacerdócio e ao saber. Não acredito num Deus que põe a nossa "fé à prova".
E os Santos, pois. Nunca ninguém me conseguiu explicar qual o seu papel numa religião que se quer monoteísta.
Enfim, a religião a quem quiser ser ovelha.