digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

A preto e branco

Agora que Barack Obama já ganhou as eleições e vai tomar posse como presidente dos Estados Unidos da América muito se tem falado na questão de ser o primeiro presidente negro do país.
Negro? Porquê? Que saiba a mãe é branca. Isso não faz dele branco? Por que quando há um casal misto os filhos são sempre pretos? Um mulato é preto. O filho de mulato com branco é preto. Isto embora sejam conhecidos inúmeros casos de mestiços que são incomparavelmente mais brancos que muitos portugueses caucasianos.
Bem sei do significado histórico, cultural e social da eleição dum cidadão preto (branco) para presidente dos Estados Unidos. Não sou ingénuo nem ignorante até tão longe. Há menos de meio século assassinou-se o sonhador duma América sem racismo e ainda nos tempos actuais existe uma organização abjecta como o Ku Klux Klan. Porém, alinhar na questão do preto e do branco tem sempre por base algo de racismo. É uma pessoa, um cidadão e isso basta para definir.
Esta coisa dos meios qualquer coisa lembra-me o Terceiro Reich e a sua política de perseguição racista e religiosa. Durante o nazismo, a sociedade não se dividia apenas entre arianos, judeus e ciganos. Havia uma hierarquia de sangue, que estabelecia níveis com base na proximidade de antepassado ou número de parentes com sangue judeu, eram os mischling. Alguém que tivesse um quinto avô judeu era judeu, um mischling. Adolf Hitler, um vegetariano excêntrico e a antítese do gastrónomo, recorreu a uma nutricionista para lhe variar e equilibrar a dieta. A senhora, da mais fina nobreza austríaca, esteve em funções até se lhe conhecer um quarto ou quinto avô judeu. Esta questão da percentagem do sangue tem, exactamente, o mesmo princípio da atribuição da classificação de preto a alguém que não o é apenas.
Os norte-americanos criaram um termo que me irrita, que é o afro-americano. O que é um afro-americano? Um cidadão preto que tem no seu trisavô um africano? Mas se os seus parentes mais próximos nasceram todos na América… E depois, afro? Então os magrebinos, caucasianos como um sueco, não são afro? Então não há brancos em África? Então o sul-africano descendente dum holandês, loiro ou ruivo, não é africano? Mas na América seria afro-americano?
Depois também há os remorsos e ressentimentos. O que até é natural. A questão traduz-se de diversas formas e, como é também compreensível, de formas erradas ou desconformes. Uma que oiço com alguma frequência é a de que não se deve chamar mulato a alguém que tem um dos progenitores negro e outro branco, porque, dizem, o termo é sinónimo de filho de mula. Um disparate! Os árabes estiveram séculos em Portugal e deixaram aos portugueses sangue e palavras. Uma delas deu mulato. O vocábulo deriva de muallad, e que se aplicava aos filhos de árabe com negra. Já mula vem do latim, deriva de, exactamente, mula.
O racismo nasce da ignorância e da reacção ao diferente. É primário. O racismo torna-se tantas vezes inconsciente. Muito boa gente, que até nem será racista, embarca em situações de discriminação. Quem nunca ouviu algo semelhante a «Está ali fora um senhor de cor que lhe quer falar». O que a palavra cor acrescenta? Já ninguém diria que «está ali um senhor gordo» ou uma «senhora feia», porque poderiam ouvir e levar a mal. Ninguém diz «está ali um senhor branco para ser atendido».
Um mito que me lembro de ouvir repetido é de que Portugal não é um país racista. Não o foi e será como outros países ou, pelo menos, tão violento e ostensivo, mas é. É frequente ouvir-se um responsável dizer que dois fulanos negros assaltaram uma bomba de gasolina, dois indivíduos de etnia cigana forçaram a entrada ou crime foi realizado por dois ucranianos ou brasileiros. Estas coisas são depois acriticamente repetidas por jornalistas e que passam para o dia-dia do cidadão comum. O que importa a raça, etnia ou nacionalidade para o caso? É atenuante ou agravante para a situação? Se fosse branco o criminoso tinha sido mais ou menos violento, mais ou menos frio e sinistro? Mas, é óbvio, que a discriminação pretende melhor identificar, mas mistura os maus com os bons e o resultado que se obtém é distorcido e desvantajoso para todos os outros da mesma raça, etnia e nacionalidade. Isto para o mal, porque para o bem não se passa assim. Ninguém refere que o presidente da Zon é indiano ou que a empresária Isabel dos Santos, a filha do presidente José Eduardo dos Santos de Angola, é preta.
Deixo o texto com a referência inicial, o novo presidente dos Estados Unidos. Que o mandato de Barack Obama seja metade (ouxalá mais) de bom do que a promessa e esperança.

Nota: Para terminar com humor, vai uma anedota racista. Diz alguém: «Eu não sou racista, só não gosto de alemães. Disseram que iam acabar com os judeus e os ciganos e fizeram um trabalho de preto». Vá lá, não sejamos fundamentalistas… o humor é um sinal de inteligência.

2 comentários:

Manel disse...

A anedota é muito boa. :D

Eu não tenho quaisquer pistas sobre a minha família, mas ninguém me tira da cabeça que sou um bocado monhé. :p


Esta, monhé, é das minhas palavras preferidas, porque é tão pateta que torna imediatamente ridículos os lábios que a proferem sem ser para gozar. Nas ruas deste país não racista, aplica-se ao presidente da CMLisboa. Mas nos telejornais, felizmente, o senhor chama-se António.

Anónimo disse...

Isto està cada vez melhor! Parabéns, é preciso tomar posição com inteligência e humor! Para comparação, deixo-te este endereço, do Chomsky sobre o Obama e o racismo recalcado: http://www.lemonde.fr/ameriques/visuel/2009/01/16/noam-chomsky-regard-critique-sur-l-amerique_1142592_3222.html
Beijinhos,
Diogo