digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, janeiro 30, 2009

Malvados... Maldosos...

- Vou construir uma casa aqui.
- Mas aqui não é proibido?
- Para mim não é.
- Como assim?
- Sou primo do ministro.
- Mas não há leis? Não são iguais para todos?
- Sim, claro, mas tudo se resolve.
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- Primo, ‘tás bom?
- Tudo fixe. E contigo?
- Também. Olha, precisava dum favor teu.
- Se puder ajudar…
- Quero construir uma casa ali em Coentros de Baixo.
- Mas aí é proibido. Terras da reserva nacional.
- Não podes dar um jeitinho?
- Claro que posso… Deixa-me ver… faço um despacho a dar ordem aos serviços para considerarem o teu terreno sem importância para a reserva nacional. Depois faço um decreto para que o espaço não seja considerado reserva nacional.
- Então, pode ser tudo legal?
- Claro. Comigo é tudo legal.
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- Então, sempre resolveste a situação com o teu primo?
- Sim. Tudo tratado. Não é para isso que serve a família?
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- Senhor assessor, olhe o que os malandros dos jornalistas andam a escrever sobre mim.
- É tudo mentira, não é?
- Completamente. Por quem me toma?!
- Temos de encontrar uma solução… mas o quê?
- Diga-me você, justifique o dinheiro que ganha.
- Já sei! Vamos falar em aproveitamento político por parte da oposição… que há uma campanha negra, por parte de forças ocultas, contra si… realçamos que há eleições este ano e que a oposição está a aproveitar-se da situação.
- Isso… isso… Mas, os gajos até têm estado calmos… muito decentes comigo.
- Não importa! A culpa é sempre da oposição… e como há eleições este ano, eles vão passar por interesseirões, que se aproveitam dum simples e legal acto de gestão ministerial para fazerem um banzé, sobre coisas que não existem.
- Você é esperto... é bom!
- Deixe-se estar descansado… como está tudo legal, não há nada a temer.
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- Estás a ver esta bronca?
- Fogo!
- Lembras-te como isto começou?
- Fui eu que preparei a parte legal.
- O ministro pediu-te isso directamente ou foi o chefe de gabinete?
- O ministro. Disse-me que era urgente, importante e que teria de ser discreto, porque havia pessoas muito sensíveis… pediu-me para esquecer o Dr. Santos.
- Lembras-te quando foi?
- Completamente. Foi uma semana antes das eleições.
- Que bela memória!... Mas nessa altura o Governo só podia proceder a meros actos de gestão… além do mais porque foi o próprio primeiro-ministro a demitir-se.
- Sabes como é… um decretozinho aqui, um despachozito ali, nunca fizeram mal a ninguém. Além de que o assunto era importante. Não se podia deixar para o Governo seguinte, porque podia de ser da oposição, e foi, esses malandros... depois podiam não aprovar a alteração que o senhor ministro queria fazer ali em Coentros.
- Era importante? Então?
- Estratégico. Construíram lá uma casa, bem grande… empregou aí umas vinte pessoas durante seis meses.
- É relevante.
- A casa está linda, com aquela bela paisagem toda à volta.
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- Senhor assessor… o que faço agora?
- Tem a certeza que foi tudo legal?
- Bem… sim…
- Mas o dono da obra não é seu primo?
- Não me diga que também está alinhado com os que me querem ferir a honra… jornalistas, magistrados e outros…
- Claro que não!
- Acho bem...
- Vamos dizer que está inocente, uma vez mais… que não tem razões para se demitir e que está disposto a colaborar com a justiça…
- Mas tenho de abdicar da minha imunidade?
- Claro que não. É só para dar aquela pala…
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- O ministro, teu primo, está num grande aperto por tua causa…
- Pois… não deixo de pensar nisso…
- Daquela vez, chegaste a agradecer-lhe?
- Sim, mandei-lhe uma caixa de Barca Velha.
- Epá, vê lá se há registos disso… ainda te entalas e a ele também.
- Não há problema! Dei-as ao irmão, o outro meu primo.
- Ufa! Já estou mais descansado.
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Nota 1: Estas conversas privadas são pura ficção. A situação passa-se num distante país de brandos costumes. Qualquer semelhança com a realidade política portuguesa é mera coincidência.
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Nota 2: Não acham que um tio pedir ao sobrinho ministro um favorzinho para se reunir com uns empresários, que querem construir alarvemente numa Zona de Protecção Especial, é grave o suficiente? É o chamado senhor Cunha…

2 comentários:

Anónimo disse...

Não é primo! É o filho do tio... =P

João Barbosa disse...

Esse será outro. Este é dum país distante e a coisa passa-se em Coentros de Baixo...