digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, maio 09, 2008

O sonho dos seixos pretos

Sonhei que roubava seixos pretos nas bancas de venda de pedrinhas. O que não sabia é que eram mágicas e nas minhas mãos se transformariam em inúteis aros de metal negro. Não mais pude ter seixos negros.
Recordações de excursão. Recordações impossíveis de levar. A camioneta partiu sem mim? Partiu. No táxi que passava na rua nocturna uma celebridade levou-me a casa do amor-da-vida. Não estava em casa.
Perdido nas ruas dum bairro nocturno procurei-a na certeza da ausência. Contornando as muralhas da minha cidade – cidade de outrem, cidade desconhecida, outra cidade – busquei a entrada certa. Sempre nas saias da rua do amor-da-vida, sempre perdido.
Cercanias de cidade velha. Quase campo. Tempo doutro tempo. Tascas de comidas comuns, cheiro de bairro. Mesas sujas, gente diferente – turistas e autóctones inspiradores de receio infundado.
Atravessava ainda um bairro de outrora com gente medonha e mais gente de tóxicos. Atravessava uma lixeira. Fi-lo uma, duas, três, não sei quantas vezes.
Houve também um momento de casa mágica com passagens secretas e ligações ao telhado-terraço. Brincadeiras de crianças, adolescências e maturidades saudosas. Só aí, por um instante, não foi noite.
Depois havia os caminhos entre a cidade velha, a Baixa populosa e outra parte antiga, por meandro que levam a casa da infância. Julgava conhecer. Sabia apenas os buracos de passagem e poucas e estreitas ruas. Era ainda noite e no Rossio-Restauradores, cidade do Porto, havia trânsito e muita gente na rua. Às vezes. Voltava e regressava e fazia muitas vezes o caminho.
No Terreiro do Paço, caminho de água. Não sei bem. Sei que custava a andar e não apanhava táxi, nem carro-eléctrico – ou apanhava e andava depressa e sempre sem rumo, entre Santa Apolónia e destino incerto em Alcântara-Belém. Caído no chão do Cais do Sodré tentei em vão subir num táxi. Caía e voltava a cair. Já sujo de lama e chuva, quando o carro partiu sem mim.
No tempo, impreciso, atravessava montanhas. Uma cidade entre montes. Era Alentejo, era Beira Alta, era Espanha, era a cidade do Porto. E ia dessa cidade a outra, que era a mesma. Afinal só ficava do outro lado do morro. Havia uma estação de comboio e estava já na Alemanha. Percorria ruas e praças desertas, com gente e assim-assim. Estava no Rossio-Restauradores.
Não sei bem mas procurava o quarto do hotel aberto para a rua, num largo. Curvo e amplo, bem aberto, em parte pública. Rua escura, de noite, de passeios estreitos, entre o desconhecimento e a praça de ruínas do hotel de luxo aberto para a rua. Procurei, em vão, o quarto onde já estivera. Tinha havido mais alguém nos quartos do lado. Agora limpavam, as mulheres, e não encontrava ninguém nem o quarto. Ida e vinda entre o largo e a rua sombria, medo-vergonha de perguntar onde ficava e se estava mesmo ali. Perdi qualquer coisa. E já lá tinha estado num quarto com traseiras, quintal até a um sítio, e frente para a minha segunda rua.
Procurava o hotel. A camioneta partiu e não consegui levar seixos negros para casa.

1 comentário:

Lia disse...

:), (as vezes os seixos devem ficar para fazerem parte da paisagem).

gostei

beijo