digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, novembro 16, 2006

Relojoaria

Às vezes quando um relógio se desacerta todos os outros desatinam também. Há relógios-mestres. Relógios que comandam o destino e acertam os passos. Relógios-bússola. Relógios apontados à Estrela Polar e ao Cruzeiro do Sul. Relógios que fazem fases da Lua. Relógios que inundam e esvaziam marés. Tempos de lágrimas e doutras aflições, risos e alegrias.
O tempo é uma faixa elástica, tão comprido quanto se queira, tão largo quanto se pretenda. Todo quanto se imagine, quanto se deixe e permita. O limite está na imaginação, na dor e na felicidade. Mas sabe-se que é infinito. Mas sabe-se que a vida é finita. Toda a vida finda. Sabe-se que temos muitas vidas. Temos muitas vidas numa vida e temos muitas vidas além da vida. Quanto vale o tempo? Quanto dura?
Sentei-me durante meia hora da minha vida. Fiz ponto-cruz. Fiz amor com pessoas ausentes. Fiz as pazes e evoquei ódios. Encolhi os ombros. Quase chorei. Fiz arte. Disse poesia. Foi tudo em meia hora da minha vida. Numa meia hora, como uma meia laranja, que foi doce e ácida, colorida e breve. Não sei se tive muitas meias horas assim na minha vida. Daquela lembro-me, porque lhe prestei atenção. Dediquei-a a mim e aos amores perdidos, às meias horas que duraram as minhas relações depois da avaria do meu relógio-mestre.
Não sei se o meu relógio-mestre é um amor ou uma pessoa ou um momento ou o orgulho ou o amor-próprio ou uma promessa a dois ou uma ilusão. Mas sei que desde que se avariou todos os meus amores duram apenas meia hora. Meia hora de intensidade. Meia hora de montanha russa. Meia hora de esplendor. Meia hora de orgia. Meia hora de orgasmos. Uns segundos longos de lágrimas. Uns minutos infindáveis de desilusão.
Estou na praia dos vazios entre a maré alta e a maré baixa, à espera duma Lua cheia ou nova. Não quero os mesmos êxtases, mas um quadro azul de firmamento além de toda a eternidade, onde as meias horas não acabem e passem a horas e os beijos perdurem, para que os lábios permaneçam húmidos. Não faço pedidos além do tempo. Quero apenas que as meias horas perdurem.

3 comentários:

Folha de alface disse...

JB: proporcionas-te-me uns bons minutos de leitura :)

(andas mt inspirado ;))

(3) bjs

Anónimo disse...

UAU!!!
Só me escapou a relação Texto/Foto, desculpa mas sou um bocadinho loura :(

Anónimo disse...

Estou na praia ao lado desta tua...chama-la dos vazios, a minha será a praia de quem se sente cheio de dares e sem alvos a receberem...será a praia dos inchados! Também não peço muito, só a felicidade sincera e por ela espero entre uma onda e outra.
Amei o texto, gostei das imagens que se me fizeram no cérebro, obrigada João