Digo-te que tenho medo. O pior de todos é do cheiro. Julgo que pior do que a enxofre o Inferno tresande a peixe podre, a imundices gástricas ou vómitos.
Digo-te que tenho medo. Medo das feições das criaturas perdidas na escuridão. Não há pior medo do que aquele que não vemos e não deixamos de ver, apenas pressentido e vislumbrado. Tenho medo das sombras e dos seus cheiros pestilentos, das suas texturas desconhecidas e humidades.
Espero não coinhecer a luz do Inferno, mas deve ser muito mais escura do que a duma trovoada. Talvez como a duma lua nova no campo. Apenas a suficiente para perceber os corpos dos seres e dos outros, mas já tarde demais, quando não fôr possível evitar os hálitos.
Digo-te que tenho medo do hálito das bocas de quem vive no Inferno, porque lá só haverá imundice e porqueiras para comer e nada de limpo para se lavar o rosto. Tenho repugnância das mãos e certamente haverá uma luz a iluminá-las. Será pouca luz, mas certeira, a certa para se perceber o negrum nas unhas tornadas garras dos enfermos e moribundos andrajosos, de todos os habitantes fétidos do Inferno.
Tenho medo de ir para o Inferno. Digo-te que tenho muito medo do cheiro.
1 comentário:
O primeiro parágrafo lembrou-me o "Perfume", forte e intenso...não sei se tenho medo do Inferno ou do seu cheiro.Nem sei se ele existe mas o teu texto, esse que é verdadeiro está cá e fica...forte e intenso, gostei!
Enviar um comentário