Nunca mais chega o momento em que me possa deitar. Os passos pesam-me e sinto as pálpebras salgadas. É isto desde que me levantei, já ontem foi assim, anteontem também e acontece há já mais de três meses, quatro meses, mais. A cabeça pensa com intervalos, momentos em claro, raciocínios vagos, confusões e imprecisões. Preciso duma cama.
Hoje acordei cansado e não tenho feito muito mais coisas do que estar cansado. Entre o trabalho e a exaustão sobra algum tempo para o lamento. Há tanta coisa para lamuriar quando é tempo de tristeza. Preciso de me deitar e adormecer sem ter de acordar ou de me alimentar. Não é a morte a minha busca, apena o descanso. Até ía de férias, se pudesse... ía por todo tempo que me deixasse sossegado, entre o tédio do ócio e a preocupação metálica. Não posso ir. Este ano não vou. No ano passado fui sem ir. Não se vai de férias com a trela do dinheiro a esganar na partida ou com este já findo. Não vou e estafo-me mais. Preciso duma cama, pede-me o corpo e a cabeça.
Esta noite não dormi. Outra vez sem dormir. Anda a acontecer. Os assaltos dão-se muitas vezes, mas nem sempre para não me habituar às vigílias, para a tortura ser mais eficaz. Esta noite voltei a não dormir e não sei quando começou a não acontecer o sono. A ansiedade assume-se como um exército revoltoso a tomar uma cidade. Acontece pela mesma razão por que não posso ir de férias.
Preciso duma cama. Estou de maneira que preciso de duas camas. A minha vida desenrola-se num longo corredor circular com portas desacertadas à esquerda e à direita. Na teoria posso entrar em qualquer uma, mas limito-me a andar à volta sempre no mesmo sentido e sem mais sentido nenhum. Por vezes passo portadas mais largas, centrais, como se passasse para outro lugar. Mas é um engano, nunca saio da casa e do seu corredor circular, com uma luz feia que vem do tecto e uma outra variável vinda de fora, de janelas com vista para lado nenhum. São sempre as portas à esquerda e à direita. Em alguns momentos tenho um reflexo, um impulso, e abro uma: dá para um quarto vazio... ou então abro sempre a mesma. Ando às voltas e já não distingo as cores com a exaustão. No corredor não se dorme nem se brinca, anda-se à volta e escolhem-se portas para entrar. Às vezes abro, mas nunca entro, por não haver dentro da câmara uma cama para me deitar. Continuo às voltas.
5 comentários:
Queria dizer-te tanto e sinto que não consigo dizer-te nada! Queria tanto tirar-te desse corredor e sinto que não consigo lançar a corda! Queria tanto abraçar-te e dizer que podes sentir outra coisa neste agora e sinto que o meu abraço não seria o suficiente para ti!
Escolho jogar, no meu tabuleiro, um sorriso de amor e sei lá que mais!
Mas peço, acorda desse deambular que não te leva a lado nenhum.
Escreveu um dia Alçada Baptista: "Passamos a vida a preocupar-nos com aquilo que não está nas nossas mãos". E digo eu: seria tão fácil se, a certeza disto, nos trouxesse alguma tranquilidade.
Talvez não traga. Mas o tempo e a idade ajudam-nos a atirar para trás das costas o que é relativo. Será que vale a pena não dormir quando a solução do problema não passa por nós? E mesmo quando passa, será que vale a pena tanto sacrifício? Dormir é um privilégio da vida... Uma benção... O refúgio obrigatório de todos os guerreiros – os convictos e aqueles que não acreditam neles. A vida? Essa... são dois dias.
P.S: Concordo com o xadrez. Deambular não leva a lado nenhum. Mas atirar beijos à toa por detrás de um quadriculado de grades, ainda que pareça bonito, também não.
Não sei se o post é só um post ou se está mesmo a acontecer na vida real.
Se é mesmo, o mais natural é chamar-se cansaço extremo e se prolongar-se há já bastante tempo (mais d uma semana, duas, então talvez se chame depressão ou inicio dela (e cura-se facilmente desde que vá ao médico certo e não ao clinica geral).
Se tem esse sonho, eu costumo ter quando ando muito tensa. Normalmente quando ando à procura de uma solução para o que quero fazer, quando ando insatisfeita (e detesto esse sonho - um interior de uma casa cheia de portas e quartos sem nada, procuro de quarto em quarto, uns maiores, outros menores, normalmente há um ou outro que estão escondidos e não entro).
Tente ir ao psiquiatra (os psiquiatras são gente normal, e tratam depressões mas vá a um de confiança, não vá a um de muita idade)
muito obrigado pelos conselhos e pela preocupação. :-)
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