Quando a minha mãe me vê como estou hoje diz que pareço um ladrão de estrada. Tomo banho todos os dias e lavo-me com cuidado. No entanto, há coisas que não acontecem na minha vida. Uma fatia do meu dia não chega a acontecer e isso anda a passar-se todos os dias. Pareço um ladrão de estradas porque há mais duma semana que não me barbeio e não me lembro da última vez que me cortaram o cabelo.
Quando me olho ao espelho não me vejo. Não estou lá. Estou invisível aos meus olhos. Tornei-me num fantasma dentro dum corpo. Sinto a aspereza quando passo as mãos pelo rosto e o crescer dos pêlos causa-me um incómodo comichoso. Porém estou incapaz de me barbear.
Quando hoje chegar a casa vou encher a banheira com água quente e ligar o aquecedor para escaldar o quarto das lavagens. Vou suar muito e desentupir os poros. Vou levar um espelho portátil para dentro de água e mais espuma de barbear e uma lâmina afiada. Depois de escanhoado volto a atestar o vaso com água quente e sempre a suar muito coloco bolas com unguentos cheirosos para que rebentem e temperem o líquido e perfumem a pele. Não vou quebrar o espelho para usar os cacos nem usar a lâmina para me cortar. Não vou mergulhar. Vou ficar até encarquilhar descontraído. Hoje vou mimar-me como há muito não faço, com direito a tratamento de pele e a creme de olhos. Sem charuto e só com um livro de poesia ou com um tratado de cozinha.
A minha mãe diz que pareço um ladrão de estrada, mas as únicas coisas que gosto de roubar são fotografias e beijinhos a meninas bonitas... mas só quando elas deixam. Ultimamente tenho-me portado muito bem quanto a este último delito.
Hoje, se tiver coragem, meto-me na banheira e faço a barba. Se for bravo agarro na tesoura e esculpo uma moicana na cabeça. Depois vou dormir descansado. Pode ser que o meu reflexo reapareça nos espelhos.
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