digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

segunda-feira, abril 10, 2006

Mão

Tenho as mãos cónicas e com muitas linhas. Estou nelas, a minha vida passa por elas, cumprimento com as mãos e aceno a quem passa. Agarro a vida e seguro o que tenho como posso. Tenho as mãos cónicas e com muitas linhas. A minha vida passa-me pelas mãos, como se fosse uma gare. As mãos são o espelho do que sou, o mapa do meu país.
A minha Linha da Cabeça vai do monte de Vénus ao monte de Marte. Vai quase sempre direita, mas tem alguns ramais e alguns troços com via dupla.
No sopé do dedo médio está o monte de Saturno. É lá que termina a minha Linha da Sorte vinda de dois pontos cá em baixo. É bem longa esta linha, cruza muitas paisagens e atravessa muitos povos.
A minha Linha da Vida contorna o monte de Vénus. Não é muito longa mas é rápida. Nela os combóios passam velozes. Cruza-me a mão e liga-me a Linha da Cabeça à da Sorte.
Os caminhos não se fazem entre os montes da Lua e de Mercúrio, não há Linha de União nem mais ao meio surge uma Linha do Sol. Entre o anelar e o indicador não me puseram a Linha de Anel de Vénus. Mesmo assim as minhas mãos parecem um país atravessado por caminhos-de-ferro e a vida que por elas passa é tão maior quanto as vidas que todas as horas passam numa gare.
A Linha do Coração é acidentada, está estriada e desfocada e corta a da Sorte, que ali quase deixa de existir. Mas está. Está lá e cruzam-se. É uma cruz, a minha sorte e o meu coração. É uma cruz que carrego. Toda a Linha do Coração é feita de cruzes. Ali os combóios vão lentos, aos solavancos e instáveis. Por isso ninguém faz essa linha, ninguém apanha esses tréns.
As minhas mãos são cónicas e com muitas linhas, mas não sei o que querem dizer. Só sei que parecem o encruzado duma gare de caminhos-de-ferro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Querido Amigo,

Já tardava o meu post! Já cá tinha estado por outras vezes, mas os bonitos textos, de tão íntimos, custa colocar um post, percebes...? os textos bonitos textos são tão intimos que me sinto ridículo em colocar um comentário... e vão assim passando os dias, e os comentários a serem adiados.
Ontem achei próprio quando ví o texto sobre "...tudo o que tarda"... mas mais uma vez cheguei ao fim e voltei a sentir quão ridiculo ficaria o meu comentário.
Mas hoje decidi! não passa de hoje e aqui fica...
é bonito pá! aquilo que escreves é bonito!
e nós ficamos para aqui a ler, a pensar em ti, procurando as palavras que fazem mais sentido dizer... é este o problema dos mails e da internet, não permitem mandar o comentário que julgo mais adequado ao que aqui se lê: um forte e quente abraço pleno de amizade... algum ritual silêncio... um olhar cumplice... e ficar assim, gozando o tempo passar!

Um beijo

Pedro