digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, abril 06, 2006

Gota

Às vezes fico a olhar para os braços e a pensar que vida se esconde sob a pele. Não faço o mesmo com a cabeça e os pensamentos, porque preciso dum espelho e o exercício resultaria narcísico.
Às vezes fico a olhar para os braços e a pensar na vida escondida sob a pele e na velocidade do sangue no desempenho da sua função. Penso ainda como deve ser trágico e tranquilo interromper os rios vermelhos e como é condenável a prática de tais actos.
Quando um corpo fica inanimado o sangue deixa de correr, cansa-se de lutar. O cérebro pode continuar, o coração pode ter desistido, mas tudo só para depois do sangue ter ficado inerte. Fico muitas vezes a pensar em quietar-me morno numa banheira e cortar-me aliviado só para me sentir despegar da vida, enquanto engulo copos de vinho tinto num total silêncio.
A água tépida à temperatura do sangue e um livro de poemas eróticos, não vá a morte trazer erotismo e prazer. Havia de ser bonito, ver um morto todo hirto e com o coiso para cima! E ainda com um copo de vinho na mão e os lábios desbotados borrados com a tintura da bebida.
Às vezes fico a olhar para a vida sob a pele dos braços. Ontem, sem querer, fiz sangue na perna e vi escorrer vagaroso um curso grená pela perna abaixo. Sem dor e sem alegria nem tristeza. Sem nojo, apenas sangue do meu. Não fiz nada. Recolhi a perna para dentro da cama e deixei que me sujasse os lençóis... como uma virgem na sua primeira vez. Que importa? Era sangue do meu, com a minha temperatura e a descer para a cama onde durmo... sozinho, onde me fizeram a alma e o peito em sangue.
Às vezes penso na vida que não me corre nas veias e naquelas que correram e nas que gostaria que tivessesm corrido. Agora não quero que mais nenhuma corra além da minha. Às vezes penso nessas vidas que não me correm nas veias e tal como a outra que me corre penso em desvia-la do rumo. Basta um fio de lâmina e água tépida, um copo de vinho e um livro de poemas em silêncio total.

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito, muito bom este blog dos 2segredos, nada melhor para fazer correr a grande velocidade e sem interrupções, o sangue quente sob a pele...Acompanhado, isso sim com um bom vinho tinto.

Anónimo disse...

será que não o suicídio um exercício narcísico?
também não me parece a solução.
a vida acaba quando tem de acabar, não porque, em determinada altura resolvemos pôr fim a uma coisa que "possuímos" mas que nos transcende.
para quê ultrapassar a Natureza?

Anónimo disse...

Estive agora a actualizar-me nas leituras. és muita bom, pà! O que mais me impressiona, acho, é que no momento em que parece que a frase vai descambar (para o previsivel, para o cliché ou para a facilidade), dàs ali uma volta que é ao mesmo tempo muito bem conseguida, surpreendente e, no entanto, sempre sobria. Não posso dar exemplos agora, para isso tinha que ler outra vez, mas a sensação é essa mesma: a de que não sabes, nos textos da tua branquidão amarrotada, ser banal. é do caraças!