Outro dia perguntaram-me:
- Mas tu não dormes? Só escreves!...
Durmo! Só penso em escrever, só penso em escrever, só penso em escrever, só penso em escrever, só penso em escrever, só penso em escrever... Criar, é preciso criar! Parece que o mundo vai acabar amanhã e não me importo com a comida nem com a dormida nem com o vestir. Tenho é de criar e de despejar tudo cá para fora como se fosse uma ânsia, como se fosse um vómito. Mesmo que seja vómito e nada preste.
Outro dia perguntaram-me:
- Mas tu não dormes?
Durmo nos intervalos em que não escrevo e não desenho. E o que desenho não ponho aqui porque não tenho como o pôr, porque poria se soubesse e pudesse... tudo aberto, tudo franco, tudo escancarado para quem quisesse ver, porque nu para uma pessoa, nu para toda a gente... É igual. A minha nudez é sempre a mesma. Se não tenho vergonha frente ao espelho também não a tenho no Rossio!
Outro dia perguntaram-me:
- Mas tu não amas?
Amo! Amo muito. Amo demasiado. Amo e não sou compreendido. Amo há demasiado tempo sem que percebam que o meu amor é diferente de todos os outros amores. Amo sem sexo, sem tesão e sem semente. Foda-se, amo muito e faz confusão a muita gente que a mulher que eu ame só exista dentro da minha cabeça. E não me deixam estar sossegado, porque acham que eu gosto daquela ou da outra ou da mesma ou da anterior ou da precedente ou da futura ou da repetida ou da coxa ou da das mamas grandes ou da das mamas pequenas... Não! Amo uma mulher que só existe na minha cabeça e é por isso que preciso de escrever, porque a conheço desde que nasci e não é a minha mãe nem a minha irmã nem as minhas avós nem nenhuma das minhas tias! Amo a tusa que ela me dá quando escrevo ou crio ou faço qualquer coisa que mais ninguém percebe... entre mim e ela só existe ar.
Outro dia perguntaram-me:
- Mas tu não dormes?
Durmo, mas durmo com a televisão ligada, porque tenho medo de dormir. Tenho medo de dormir sozinho. Tenho muito medo da noite e da solidão. Preciso de ouvir vozes quando não há vozes. Durmo mal porque não tenho quem me oiça. Durmo mal porque não tenho a quem me agarrar, porque a mulher que eu amo só existe dentro da minha cabeça.
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