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Vinte para as duas, quinze e um quarto, foi depois do meio-dia.
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O céu estava um lençol de seda, entendia-se-lhe o azul por trás e a luz
morna dum dia de meteorologia indiferente. O príncipe jogado de borco numa
toalha de linho e sem inexistentes por perto.
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Todo seu, egoísta e derrubado, desistente das lágrimas e recolhido. Não
fosse o tamanho da dor e não seria príncipe.
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Cristalino apesar da tumulto enganava-se e sabendo-o enganava-se mais e
sabendo-o mais ainda. Sabia que as mortes estúpidas não são mais infelizes do
que as vidas patéticas.
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Só não sabia quem lha tirasse ou se a perdesse se já perdida, é-lhe
sobejante.
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Nessa tarde – ali é quase sempre depois do meio-dia – vestia casaca e
aprumado no pano branco da soberba não passava dum sapo gordo com um barrote de
betão no pensamento.
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Nessa tarde, entremeando o barafundar, reparou nas mimosas e vendo um melro
reparou que se esquecia de ouvir o sítio. Procurou um dente-de-leão para o
soprar e assim supor a despedida do engulho.
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Tudo ali lhe importava porque irrepetível, desse por onde desse e ali tão
longe de hora. Rodou-se pesado fora do pano, o verde agarrando-se à casaca
amarrotada, viu um espelho, nele se viu, no céu translúcido, contemplando a
idade e as feridas.
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No lodo murmurou que a consciência importa e os remorsos se entregam por
telepatia. Sim, a memória desinquietando-o, varrendo-se a preto e branco, na
verdade um cinzento pardo e baço, como vento nuclear.
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Aquele sítio não vê nem ouve nem há canavial para as confidências do
Barbeiro de Midas nem alcançam fantasmas. É o jardim do príncipe, tão reais e
sós.
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O jardim, especialmente aquele sítio do jardim, é tranquilo como o
cataclismo quando se desiste e se afoga ou se queima ou o sangue se despede.
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Penso que a tarde ficou fria, ali não se chegam espectros, sentia arrepios.
O white tie não esconde vergonhas apenas mostra virtudes e ainda menos sossega
o álgido. Tentava consolo protegendo as espaldas e poupando-se à respiração do
coração sacrificando-se pelo peso e melancolia.
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Na falta da inexistência compreendeu o medo de ter coragem, efabulando
comboios velozes e imparáveis de comprimidos, porque as balas são-lhe falíveis,
porque pistola não tem, por medo de se matar. Que má-língua haveria por
falhanço se aquele local inconfidenciasse.
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Fechou os olhos morrendo-se no anoitecer e nela toda lhe falaram médicos,
anjos e extraterrestres e conversou com doentes e miseráveis, parceiros de
impaciência e indecisão.
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Uma noite toda num hospital de campanha vogando centímetros acima da pedra,
meditando na descrença dos amigos – nele e nos seus vórtices.
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Não acertou conversas, recapitulou e concluiu reconhecimentos e dívidas,
tristezas, enganos, adiamentos e incompaixão, pensando nas desculpas que tinha
de remunerar a quem doloreu.
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Essa noite foi toda noite.
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Acordou no mesmo local do jardim e já depois do meio-dia.
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O príncipe desconhece se se engana nos dias ou se lhos enganam, deduz uma
noite, um final, onde tudo será lido e sabido.
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No jardim, todo, é outro sítio, onde passeia a vida como a obrigação de
passear o cão. Trela curta não faça o devido. Quando solta se mantém estagnada
e fiel.
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Desgosta dos silêncios, que incompreende, assim pungentes. Não as tendo, as
lágrimas são-lhe inevitáveis.
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Ali costuma ficar vazado de borco sabendo que quando se nada tem para fazer
nada se faz e sem vontade não existe vontade e se falha a vida falta a vida.
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Sei-o porque sonhei.
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E para si diz:
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– Não fui ali nem volto já.
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