
Se um melro come groselhas, por que não hei-de eu bebe-las com um prazer feliz nestes dias de calores? Descobri-as numa garrafa vinda do Dão.
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Hoje vi um melro! Sim, senhor! Um melro em Lisboa! Ía apressado a descer a avenida da Liberdade e tive um vislumbre de alguma coisa estranha que não batia certa com o corrupio habitual de carros para cima e para baixo, com o desatino das buzinas, mais as pressas dos informais e dos executivos e dos engravatados. Continuei a andar tentando perceber o que via e não discernia, sabendo que não eram os pombos sujos nem os pardais aos saltinhos.
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Quando descobri que era o negro profundo duma ave a estranhar-me nos olhos parei instintivamente. Sou lisboeta e como tal cresci com os corvos no imaginário. Porém, tal ave nunca vi sem ser engaiolada ou distante da cidade. Estranhei feliz. Nesse primeiro embate face ao preto da penugem foi o que pensei, mas a vista foi-se habituando e aos poucos notou que o tamanho do bicho não era o do corvídeo. Era um melro. Que pássaro bonito!
Quando descobri que era o negro profundo duma ave a estranhar-me nos olhos parei instintivamente. Sou lisboeta e como tal cresci com os corvos no imaginário. Porém, tal ave nunca vi sem ser engaiolada ou distante da cidade. Estranhei feliz. Nesse primeiro embate face ao preto da penugem foi o que pensei, mas a vista foi-se habituando e aos poucos notou que o tamanho do bicho não era o do corvídeo. Era um melro. Que pássaro bonito!
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Como sou um emocional e um pinga-amores, dei por perdida a tarde e esqueci-me dos afazeres importantes previstos. Nem me dei ao trabalho de telefonar a avisar que iria chegar atrasado ou nem apareceria. Sentei-me embevecido a admirar as tarefas da sobrevivência do melro e a meditar sobre a vida.
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Como sou um emocional e um pinga-amores, dei por perdida a tarde e esqueci-me dos afazeres importantes previstos. Nem me dei ao trabalho de telefonar a avisar que iria chegar atrasado ou nem apareceria. Sentei-me embevecido a admirar as tarefas da sobrevivência do melro e a meditar sobre a vida.
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O melro vinha ao chão e picava aqui e ali e levantava vôo em direcção a uma árvore de que não sei o nome. Depois voltava e tornava a ir. Tinha por ali o ninho. Era um macho, pois era todo negro com o bico de amarelo-alaranjado. As fêmeas têm o dorso preto, mas o ventre é malhado em tons de cinzento e branco. Infelizmente para os meus ouvidos não o escutei a cantar. Constou-me que o seu canto não é menos belo que o do rouxinol. Não sei. Tudo isto desconhecia quando me sentei no banco de madeira da avenida a observar a azáfama do pássaro, escrevo agora, porque cheguei a casa fascinado e fui ler sobre o turdus merula.
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Para falar com franqueza não sei ao certo quanto tempo estive ali a passarinhar na avenida. Provavelmente nem terá passado de meia hora. Foi mais do que tempo para ganhar um dia para recordar. Marchei para casa, abandonando o carro onde o deixara de manhã. Nesse dia tinham chegado à mercearia do meu bairro as primeira cerejas. Na loja havia também framboesas e groselhas. Que apetite me deram aos olhos! Que calor estava! Um dos primeiros calores do ano. Levei saquinhos das três frutas e fui para o terraço ver os telhados e as pessoas pequeninas lá em baixo na rua. Que festa de vermelhos e que doçuras suaves! Que calor aquele, nesse dia!
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Para falar com franqueza não sei ao certo quanto tempo estive ali a passarinhar na avenida. Provavelmente nem terá passado de meia hora. Foi mais do que tempo para ganhar um dia para recordar. Marchei para casa, abandonando o carro onde o deixara de manhã. Nesse dia tinham chegado à mercearia do meu bairro as primeira cerejas. Na loja havia também framboesas e groselhas. Que apetite me deram aos olhos! Que calor estava! Um dos primeiros calores do ano. Levei saquinhos das três frutas e fui para o terraço ver os telhados e as pessoas pequeninas lá em baixo na rua. Que festa de vermelhos e que doçuras suaves! Que calor aquele, nesse dia!
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O Verão estava já a anunciar-se e tomei uma decisão: festejá-lo. Fui à minha garrafeira buscar uma sugestão dum amigo para os dias quentes: o rosé da Quinta da Giesta 2005, feito com uvas touriga nacional, na região do Dão. Ah! Exclamei, depois do provar! Era mesmo aquilo! Um tónico. Não há dia quente que resista a um rosé. Sentei-me na minha cadeira preguiçadeira a ler sobre o melro e a degustar o belo do vinho. O pássaro come bagas e pequenos frutos, entre eles groselhas. Aquele vinho tem um toque suave e um inconfundível perfume a groselhas e um fiozinho de morango. Na boca tem uma elegância, é afidalgado e tem finura. Que delícia! O vinho é bem frutado, a groselha, pois claro, e ligeiramente doce. Li o que tinha a ler e deixei-me estar a saborear o vinho, com o Sol a ir-se a bater-me na cara e o melro a voar na lembrança.
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