digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, novembro 04, 2009

Fantasia para uma mulher ideal




















Foi pela beira mar que ele a levou e enquanto a espuma salgada lhes molhava os pés segredava-lhe brincadeiras e coisas sem importância que a faziam rir. Ela cumpria corando de vez em quando e saltitando para não se molhar toda, mas as pontas da saia tinham já outra cor, aquela mais viva que fica quando a água toca. Dia feliz aquele de maresia com ondas mansinhas e ruído enrolado calmo do mar.
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Amélia é alta e fina, até de cintura, gosta de se vestir quase só com um vestido quando passeia pela praia e naquele dia usava um curto colar de pérolas e um grande sorriso. Em muitas circunstâncias tem o temperamento duma Amazona, nessa tarde no areal deserto de gentes, era toda doçura e sedução.
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As pegadas ficaram para trás num trilho a pegar-se no fim da linha, a maré começara a vazar no começo dos passos. Os passos trocaram-se de cá para lá e do outro lado muitas vezes e desacertamente com o ir e vir das vagas pequeninas. Os corpos tocavam-se desalinhados e os mãos deram-se atrás das costas ou paralelas aos troncos, desapegando-se nos saltos e sustos provocados pelos descontrolos do mar.
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Em tantos risos, risinhos, gargalhadas, amuos, cócegas, brincadeiras, molhas, trocas de lugar, toques, dares-de-mãos e abraços nunca houve, porém, espaço para um beijo. Nem mesmo para um dos mais pequenos. Nem mesmo para um daqueles no rosto. Não que faltasse vontade a ele ou a Amélia, mas porque tudo o resto foi muito mais divertido e um beijo depois de dado já não se pode tirar.
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A praia era tão longa que os passos voluntariosos não chegaram para a fazer toda e só a certeza de que a maré voltaria a subir, o Sol a descer e a temperatura a baixar fizeram inverter o passeio, sem que nenhuma das brincadeiras ou dos assuntos pequeninos do dia deixassem de por ali esvoaçar.
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Quase no fim de todo aquele areal tão grande está um poiso, mesmo a tempo de retemperar forças, reforçar laços de afecto, aproximar os olhos e, quem sabe, algo mais. Chegaram quando as pernas pediam por alongamento. Não entraram sem antes se espojarem na areia e nela rebolarem, ainda que em decência e vir à superfície dos lábios o tão esperado primeiro beijo: ficaria para outra altura. Como se fosse uma certeza que não valeria antecipar. Posto tudo isso entraram então na casa sem átrio ou formalismo. No entanto, aquele quase casebre veraneante é um cofre-forte de saberes e sabores, uma ilha de prazeres e gulas e naquele já fim de tarde o paraíso de dois quase amantes.
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Sentaram-se à mesa indiferentes à roupa húmida e parcialmente molhada, esquecidos do sal mal espalhado pelos corpos, apenas cientes de que os corações começavam a bater acertados e do beijo invisível a enlaçá-los aos poucos.
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Para a mesa mandaram vir camarões gigantes grelhados e vieiras gratinadas. Aí, as vieiras fizeram de fogo de artifício numa noite limpa e bem escura de Verão, e era ainda Primavera! Para acompanhar mandaram vir uma especialidade digna do momento e das iguarias: Bauget Jouette Grande Reserve – um lote de cave. O Champanhe elevou as duas entradas ao estrelato e sublimou o peixe-galo que pediram para reinar na mesa.
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Com as bolhas muitíssimo finas vieram ao de cima mais risinhos e o carácter vivo e fresco do Champanhe trouxe inteligência e mais sabor à conversa, pois todo ele é feito de elegância, equilíbrio e subtileza, com aroma a cardo, flores e minerais. Feliz e delicado como o amor. Aquele vinho depois duma praia suave e especial foi o coroar dum dia, dum ano, de duas vidas. Já havia tanta tonteria feliz antes, que depois do Bauget Jouette Grande Reserve foi a felicidade plena, até por ter sido uma escolha unânime dos dois. O futuro quando se traça a dois é, por certo, feliz.
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Os enamorados saíram dali depois do primeiro beijo. O que fizeram a seguir já não se conta. Sabe-se que estão felizes. Há lugares, livros e canções que marcos vidas e relações. Há vinhos também.

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