digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, abril 24, 2024

O cão mais feliz do mundo – 2024



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A adopção do Bobi é dos momentos mais importantes da minha vida e enche-me o coração de orgulho-bom e de gratidão por tudo que me deu – nos deu. Um cão feliz, possivelmente o mais feliz do mundo.

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De idade incerta, viveu à volta de vinte anos, para mais. Teve uma vida dura. Sofreu violência física que lhe custou dentes da frente, a fractura do maxilar e um olho para fora. Suportou um banho de água quente – embora não ao ponto de pelar. Foi envenenado. Por pouco não perdeu uma perna – derivado duma ferida causada pela corda com que o prenderam por maldade. Abandonaram-no para morrer, com pouca água e nenhuma comida. Além de doente cardíaco, com efisema pulmonar e portador leishmaniose.

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Porém, foi o cão mais feliz do mundo e o mais grato. Tão doce que podia causar diabetes a quem lhe dava festas. Tinha um olhar muito meigo, pedia constantemente mimos, sempre carente, mas ciente que não lhos negariam.

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Sempre a dar à cauda quando via um dos seus três humanos, a Manga, a Paraquedas ou a Valsa. Muitas vezes não vendo nem ouvindo ninguém, de costas, para nós e amigas, e olhando para a frente, continuava a agitá-la. Não lhe faltava motivo para o fazer, estava feliz. Estava sempre feliz.

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Meigo e feliz mesmo quando a Valsa aparvatava e se armava em gata, dando-lhe patadas ou até o perseguindo para judiar. Fugia com a cauda entre as pernas, mas a dar-a-dar como se ela o estivesse a mimar.

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Ganhou cuidados de saúde, carinho, chão quente, almofadas, uma matilha – contando com as gatas – e um nome. Um nome ou mais. Por tão carente respondia também por Bibope, Bigode e Manga. Ganhou a alcunha de Cão do Demónio, porque uma vez, no segundo dia de estar connosco, se desenvencilhou da coleira e desatou a correr pelo centro de Lisboa. Desconfiava dos humanos e desdenhava do odor dos consultórios veterinários. Velho, doente cardíaco e só com três pernas funcionais corria como um jovem atleta.

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Precisámos de quase duas horas para o apanharmos, o que só possível com a ajuda de duas outras pessoas. Fantasiando, quando nos via olhava-nos, com olhos vermelhos e expressão diabólica, e fugia.

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É conhecida a generosidade dos cães e o Bobi ofereceu-me uma surpresa de molhar os olhos: Custa-me a suportar o ladrar, cria-me ansiedade. Ainda distante do momento da partida, foi deixando do fazer.

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Tendo em atenção a proporção, tinha uma bexiga considerável. O tratamento da leishmaniose obrigou a ida diária ao veterinário para receber uma injecção. A casa e o consultório distam um quilómetro e meio, na ida e volta levantou 52 vezes a pata para urinar, de tão impressionados decidimos contar.

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Lido bem com a morte, mas um cão triste entristece. A Manga está triste. Por vezes fica com a respiração de ansiedade e o seu olhar aperta o coração.

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Hoje pensava festejar os dezanove anos da Paraquedas. A celebração fica adiada para amanhã.

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