digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quinta-feira, dezembro 15, 2016

O meu Natal

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Chegou o Natal, com tudo. Como digo tudo não falo do bacalhau cozido com grão nem do peru seco nem da Missa do Galo nem do presépio. Não digo das meias quentinhas de lã, com ursinhos, da tia Hortense, nem do gorro, também de lã, com renas, que a tia Hortense comprou para o tio Álvaro oferecer. Quando digo Natal não falo dos presentes, quase todos detestáveis, que as tias, as amigas dos pais, as primas e as parentelas oferecem. Quando digo Natal e não digo isso também não falo do vinho que recebo do doutor, que lhe fora oferecido, e não gosta, por um paciente agradecido. Não falo das gravatas pirosas generosamente compradas pelo pessoal do hospital que me assiste
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Empurraram-me para o Natal. Não há angústia como a do Natal, nem a da Primavera a ir-se nem a do Verão a chegar-se nem a do Verão a durar. O Natal é melancolia concentrada. O Natal é tédio e agonia. É o túnel donde não se sai por mais que se vá. A luz não chega. Há um momento em que é luz, mas é tarde. O Natal é sempre lento, com excepção do tempo que leva a chegar. Os dias estão cada vez mais breves, o ano mais encolhido e as horas mais longas. Em menos de nada é Natal. Como se não fosse triste haver Natal, todos os anos há Natal. Ontem fiz a árvore-de-natal e ontem disse que fora ontem quando a tinha desmontado e anteontem a fizera.
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As pessoas matam-se no Natal porque são sós e daí não saem. O pior é ficar-se no Natal, só ou só com gente à volta. O Natal é uma dose de realidade doentia, verde e viscosa, que mesmo na escuridão completa se mostra e dá a cheirar. Os presentes patéticos da tia Hortense e das pessoas do hospital são a parte boa do Natal, se concedermos a graça de dizer que há uma parte boa do Natal.
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Cristo nasceu no Natal e veja-se o que lhe aconteceu. O que lhe aconteceu não foi a paixão. O que lhe aconteceu é quase ninguém, em milénios, ter entendido o que disse. Também por isso celebram-se farturas, as que têm, as desejadas, as merecidas e as imerecidas. Dá-se, exige-se e retira-se. Oferecem-se presentes, cinismo e inveja. No ano seguinte haverá Natal e pode cumprir-se a vingança, oferecendo desnecessidades e horrores a quem desiludiu, e prémios aos generosos da festa anterior.
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Não fosse ter os olhos incapazes de continuar a ver e as mãos com Parkinson passageiro doendo na escrita e dizia mais sobre o Natal e das pessoas que. Que me, porque o Natal é o pior momento da vida. O Natal chega antes e parte depois. Não fossem os olhos, mas pouco mais posso.
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Não perceberam nada do que disse Cristo!
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Nota: Porém, há quem goste genuinamente do Natal e entenda do que Cristo diz.

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