digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, novembro 30, 2016

As pragas

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Tinham dezasseis anos e namoravam desde os treze. Antes de fazerem dezassete, ela deixou-o. Disse-o baixinho numa folha amarrotada do caderno da escola. Pediu aos professores para mudar de lugar e ele pediu, não sabe a quem, para que conseguisse engolir a vida do choro sem que ninguém notasse.
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Ainda não tinha dezassete anos quando ficou quieto, mexendo as pálpebras, segurando-as por segundos para que os olhos não vertessem. Uma tristeza danada, assobiando por sítios até aí desconhecidos. Noites de insónia e de sono por dormir.
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Uma tristeza absoluta e inexpressável, porque ao primeiro amor veio a incompreensão. Escondeu tudo, porque nem tinha dezassete anos. Quase a esquecera, viu-a sorrindo, montando-se na moto dum rapaz que já tinha feito a tropa.
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Ainda não tinha dezassete anos quando começou a odiar. Pediu ao Demónio para que nunca fossem felizes. Mas foram-no.
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Pediu ao Demónio que as famílias nunca os aceitassem, afinal ele era mais velho e tinha uma moto. Era encantador e cortês e ela simpática e inteligente como dantes.
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Pediu ao Demónio que fossem inférteis. Mas tiveram três meninas e um rapaz.
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Pediu ao Demónio que tivessem um acidente de viação mortal ou que caísse o avião que os levava para férias. Não o satisfez.
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Pediu ao Demónio para que ficassem doentes. Terminais e sofridos, gemendo de arrependimento: ela porque o deixara e ele porque lha roubara. Nem de dor de dentes se queixaram.
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Pediu ao Demónio para que fossem pobres, desempregados, desvalidos, indigentes ou enlouquecessem. Ele chegou a director-geral duma multinacional e ela foi sócia num escritório de advogados, com vista para o Tejo.
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Pediu ao Demónio equívocos judiciais, para que, pelo menos, um fosse preso numa masmorra medieval. O casal era de moralidade superior.
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Odiava desde os dezassete anos e nunca foi capaz de amar nem de assentar nem deixou que a vida lhe. Em desespero, suplicou extremamente ao Diabo:
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– Faz com que morram.
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E morreram. Tantos anos juntos e feneceram com poucos dias de diferença. Ela com noventa e dois e ele com noventa e seis.
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Odiou até desencarnar aos cem. Viveu menos de dezassete.

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