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As madrugadas eram vazias e do jardim, Lisboa no fundo como cinema.
O balcão gradeado do lugar adulto, donde nada se via antes da cidade nem além
do céu, estava segurando como fronteira.
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Descendo as escadas ao sítio interdito, na ingenuidade do
recato, que de dia das crianças findava deixando as suas alegrias, repetindo-se então
mudas, escutadas pelos taciturnos e maníacos, ficava um país.
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Sismo ou fogo, naquela varanda larga, de sombras quadruplas
ou mais, pelas luzes amarelas, o frio não existia dizendo para além. Voando de
hálito do vinho, chovesse ou acontecessem as projecções na gravilha e nos
bustos solenes, tínhamos uma felicidade incondicional.
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Éramos outros, éramos nós, como os miúdos. Respirávamos fora
do corpo, com o ânimo de regressar às corridas, aos bibes e chapelinhos
coloridos.
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Saciados de infância e vinho, devolvíamos o terraço ao
vazio, aos fantasmas sós, antes do alvorecer, porque as horas reclamam a carne
e o tino. Pela manhã, meninos verdadeiros reconquistavam o que deixáramos em
nostalgia.
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Também havia um abrigo, caixa-forte de amor, escuro tal como
corpos em transgressão, mas isso era outro país.
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