digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, abril 05, 2015

Escrevo cartas

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Penso antes de pensar. Tenho a boca à frente da mão.
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Posso queixar-me?
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Não posso queixar-me?
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Ser eu e construir-me numa diferença. Ser eu e só eu como sou e ficar como sou e ficar seco em todo-à-volta. Ser eu e só eu como sou e ficar como sou e ficar seco em todo-à-volta e não querer pensar para não saber. Por saber que não se quer saber.
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Nem eu. Contudo, um luto, negrum pela amizade que.
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O que fazer com a vida. O que fazer comigo.
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A que amigo perguntar?
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A quem, meu Deus… a quem?
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Despejo armários e gavetas. Na vez do pó, os meus ossos descarnados, fantasmas que não sabia.
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Assombro-me em todos os lugares e penso e confundo-me e barato-me-tonto.
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Desfaleço sincero num desfalecimento que finjo e sonho-me sangrando sangue invisível, deixando a alma evaporar-se e o corpo a arrefecer.
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Fecho os olhos para ver. Espero adormecer.
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Adormecer, adormecer. Adormecer e o eufemismo.
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Digo demasiado.
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O que fazer com a vida. O que fazer comigo.
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A que amigo perguntar?
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A quem, meu Deus… a quem?
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Já percebi e sei e sei que será sempre um não querer nem saber nem fazer.
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Sou um tanto-faz.
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Ainda. Mas ainda.
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Digo pensando que me levam a sério e sei que não e já não levam e ainda é sério e quero e não quero que me levem a sério e que me oiçam.
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Não me ouvirão. Não querem. Dá trabalho. Ou porque é hora de fazer o almoço ou de ir ao supermercado.
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Ai, é noite!...
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De noite e de madrugada me levantei.
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Se mereço? Provavelmente não. Provavelmente sim.
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Quem me quer?... Duas pessoas, três gatas e um cão.
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Será ainda?
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Haverá lamentos e lembranças no velório e algumas lágrimas quando deixarem caixão.
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Os amigos. É hora de fazer o jantar. É hora de ir ao supermercado. Pensam dizendo sem pensar:
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– Amanhã ligo.
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Amanhã ligo se não me esquecer – e não se pensa mais nisso, sei.
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E não se pensa mais nisso. Se não for amanhã, será depois. Não se irá esquecer e confortando-se no pensamento do estar bem, o amanhã ligo será um amanhã esquecido.
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Quem segura?
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Uma pessoa, três gatas e um cão.
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Qual o modo.
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Escrevo cartas.
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Posso queixar-me?
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Não posso queixar-me?
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Tenho a boca à frente da mão, devia ter um revólver.
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Uma pessoa, três gatas e um cão.
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Por elas, escrevo cartas.

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