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O meu pai nunca ligou a datas. Duvido que soubesse a do meu
aniversário, tal como a da minha mana. Do meu irmão talvez, por ser a véspera
do seu... como não ligava nem ao dele, não juro. O dele era fácil, porque as
cerimónias do 25 de Abril lho lembravam – é o que dá afixar um feriado no dia
em que se completa mais uma volta em torno do Sol. Quanto ao da minha mãe…
idem, idem, aspas, aspas. O do casamento? Nem pensar! Dia do Pai, é o quê? O
Natal e o Ano Novo, sim, por causa das mesmas razões do dia dos cravos.
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Tal como ele, marimbo-me para os dias fixos. Sei alguns,
porque os fixei sem querer. Porém, chegados é possível que nem me lembre. Hoje
é Dia do Pai, se escrevo este texto é porque amanhã faz um mês que o seu
espírito se despiu do corpo que usou durante quase 91 anos.
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Prometo, em sua homenagem, que deste ano em diante não me
vou lembrar nem do Dia do Pai, nem do 20 de Fevereiro. Quanto ao 25 de Abril
não terei escolha, o país encarregar-se-á de mo dizer.
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O Senhor meu pai gostava muito de vinho e em sua honra
abrirei hoje qualquer coisa que lhe ilumine o sorriso. Tenho a certeza que, se
puder ler este texto, vai apreciar o Modigliani…
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Foi um bom doente, obediente quanto à toma dos remédios.
Ainda assim, fora isso, nos últimos tempos, sinal da idade, o seu feitio
refinou-se. Só o filho mais novo – eu – o convencia e o punha na ordem:
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– O Rei foi deposto. Agora o Rei sou eu.
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Ria-se e fazia o que lhe dizia.
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Sem ele, não faz sentido ser o Rei. Para lhe iluminar os
olhos, deixo-lhe também um Caulfield, que detestaria.
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1 comentário:
Pois eu herdei o gosto das datas. Sei-as quase todas. A nossa avó Isabel transmitiu-me esse gosto ( além de muitos outros, está claro!) O nosso pai vivia cada dia e isso talvez seja uma virtude. Quanto a ti, Reizinho, tens o lugar que mereces! Entre nós não há rivalidades e aceitamos de forma natural esse teu título. Amo-te muito!
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