digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, fevereiro 18, 2015

A minha língua é a minha pátria e a pátria da minha pátria é o mundo

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A minha língua é a minha pátria e a pátria da minha pátria é o mundo.
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Beijei a estrangeira e perguntei-lhe:
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– Gostas da minha língua?
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– Adoro a língua portuguesa!...
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Que faria eu sem a minha língua, em que sabor, sal e sabedoria são quase o mesmo?
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Nela, o conforto da mãe, desde o leite à velhice.
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Quantas vezes me zanguei e recompus, mais me perdoou e incapaz de mentir, por mim mentiria.
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Da mãe tenho tudo e tão pouco lhe dou.
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Tanto amor que não me rouba qualquer amor.
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Nem aqueles da língua beijo-de-língua.
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A vaca dá-me o leite e a abelha dá-me o mel. A árvore dá-me a fruta. A língua dá-me o sal e o Sol, a sombra e a Lua e amo-a como julgo amar um terço de minha mãe.
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Língua velha aqui. Morrendo triste no sobressalto pelo homicídio de palavras, insegura e frágil na casa do nascimento e efervescendo adolescente para onde o mar a levou, para além-mares.
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Choro-a quando lhe matam palavras.
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Choro-a quando lhe abortam palavras.
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Que os estrangeirismos venham na paz da necessidade e não embarquem se inúteis.
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Quero e tenho! Dão-me ou roubo:
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Waldeinsamkeit, quando tenho a sensação de estar só numa floresta.
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Fernweh, quando sinto saudades de lugares onde não estive.
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A estrangeira beijou-me e perguntou-me:
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– Gostas da minha língua?
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– Adoro a língua alemã.
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Quero dizer do que gosto. Digo! Se não deixarem, digo. Sozinho ou pensando pra não acordar.
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Tudo era sossego na casa. Uma comichão surgiu-me aos ouvidos e cheguei-me à janela, abria-a e na rua um bruá! Perguntei à vizinha debruçada:
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– Que se passa?
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– É uma festa com gente animadada.
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Um jovem discotecário mexendo no prato mexia com todos.
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Dançava também, o giradisquista, ou não amasse uma língua universal.
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Tenho a certeza que burburinho é onomatopeia.
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Gosto de centopeia e medo-me de louva-a-deus.
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Como a pista duma danceteria em noite de lua-de-amores, iluminando o azul-negro de flanela traçada pelas estrelas.
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Desci as escadas e pelo caminho desobstaculado cheguei-me e chegando cedo lhe cheguei à fala e sem perguntar a beijei.
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Depois perguntei-lhe:
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– Gostas da minha língua?
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– A tua língua será nossa a língua, como a minha, quando deitados nos fizermos amor.
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Coração-camartelo na ansiedade indecisa, entre a dança e a cama.
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–  Que se foda, não quero saber!
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Que é como quem diz:
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– Seja o que Deus quiser!
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Na cama do amor, ser e o estar não existem na língua.
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Loucos apanhámos a espaçonave, nessa noite de lua-de-amores.
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Para onde ninguém saiba, prá Cochinchina ou prós Bijagós.
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Deitados e amadados, repousando inconseguimos não repetir.
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Por cima e baixo, de lado, por ali e aqui, desvairados na confundição, fomos a Xangai e viemos, com a boca a saber o mundo, aquele que nos fez há milénios.
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Voando nesse zingarelho invisível destememos o Adamastor, até que lhe deu um tranglomango.
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Caindo saciados. Da cama fizemos barco e na bagunça encontrámos o lençol para bujarrona.
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Com fome, da água ganhámos um alabote.
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– Toma! Come! Precisas, precisamos.
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– Não como peixe.
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– Que grande patranha…
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– É de família, vem de longe.
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Disse-lhe uma nuvem de palavras justificando-me, dissipada como as verdadeiras plo vento e chuva e ela sorrindo-me.
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– És um parlapatão. Não sejas picuinhas e come.
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À distracção, à traição, joguei-lhe pimentas das Índias e malaguetas doutras Índias.
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– Ah! Canalha! Malacueco! Tenho a boca que não posso… uma picareta batendo-me e batendo chispando e das fagulhas às chamas.
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Sorriu ralhando-me, pedindo-me que a beijasse.
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– Não, que sabes a peixe!
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– Grande cão, pulha e sacana...
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Sorri-lhe à canalha. Respondi-lhe:
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– O Grande-Cão imperava na Mongólia, minha linda magnólia.
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– Que tenhas na língua um panarício.
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– Pois que te quero novamente e muitas vezes. Sou o pirilau-atómico.
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– E eu a ti, nesta cama em que semeias e te agasalho e assim agasalhando-me.
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A mesma língua, a de beijar. A de dizer. A de amar. A de dizer amando, amando e beijando.
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– Diz-me uma palavra que gostes duma terra onde não foste para que me disfarce e desconhecendo-me novamente tenhas em mim novidade para amor se fazer com línguas beijando-se e só na apoteose me reconheças.
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– Guatemalteco. Diz tu…
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– Monegasca… gibraltina.
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Assim jogando nos fizemos ao mundo, na cama-barco com suas flâmulas. Deleitados na rede quase invisível do gurupés, zarpando da pátria.
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Virão saudades e regresso quando a falta for mátria.
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Na língua articulamos frátria. Que as línguas façam seus desejos.
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Palavras que gosto.
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Nota 1: Era gaiato e criei o trocadilho do beijo e do gostar da língua, beijando uma estrangeira. Um dia, ao ver – julgo – o filme «Pedro, o louco», de Jean-Luc Godard, percebi que chegara a terra conhecida.
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Nota 2: Este texto nasceu para ser uma festa de palavras que gosto. Algumas existiam, outras inventei e há as que conheci por outras bocas – originais ou não:
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Amadado – Caetano Veloso.
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Animadado – Caetano Veloso.
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Confundição – desconheço onde a encontrei.
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Desobstaculada – desconheço onde a encontrei.
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Discotecário – Caetano Veloso.
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Espaçonave – ouvido a um brasileiro.
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Frátria – Natália Correia.
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Giradisquista – Caetano Veloso.
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Inconseguir – Assunção Esteves.
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Mátria – Natália Correia.

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