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A minha língua é a
minha pátria e a pátria da minha pátria é o mundo.
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Beijei a estrangeira e
perguntei-lhe:
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– Gostas da minha
língua?
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– Adoro a língua
portuguesa!...
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Que faria eu sem a
minha língua, em que sabor, sal e sabedoria são quase o mesmo?
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Nela, o conforto da
mãe, desde o leite à velhice.
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Quantas vezes me
zanguei e recompus, mais me perdoou e incapaz de mentir, por mim mentiria.
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Da mãe tenho tudo e
tão pouco lhe dou.
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Tanto amor que não me
rouba qualquer amor.
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Nem aqueles da língua
beijo-de-língua.
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A vaca dá-me o leite e
a abelha dá-me o mel. A árvore dá-me a fruta. A língua dá-me o sal e o Sol, a
sombra e a Lua e amo-a como julgo amar um terço de minha mãe.
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Língua velha aqui.
Morrendo triste no sobressalto pelo homicídio de palavras, insegura e frágil na
casa do nascimento e efervescendo adolescente para onde o mar a levou, para além-mares.
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Choro-a quando lhe
matam palavras.
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Choro-a quando lhe
abortam palavras.
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Que os estrangeirismos
venham na paz da necessidade e não embarquem se inúteis.
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Quero e tenho! Dão-me
ou roubo:
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Waldeinsamkeit,
quando tenho a sensação de estar só numa floresta.
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Fernweh,
quando sinto saudades de lugares onde não estive.
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A
estrangeira beijou-me e perguntou-me:
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–
Gostas da minha língua?
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–
Adoro a língua alemã.
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Quero
dizer do que gosto. Digo! Se não deixarem, digo. Sozinho ou pensando pra não
acordar.
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Tudo
era sossego na casa. Uma comichão surgiu-me aos ouvidos e cheguei-me à janela,
abria-a e na rua um bruá! Perguntei à vizinha debruçada:
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– Que
se passa?
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– É
uma festa com gente animadada.
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Um
jovem discotecário mexendo no prato mexia com todos.
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Dançava
também, o giradisquista, ou não amasse uma língua universal.
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Tenho
a certeza que burburinho é onomatopeia.
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Gosto
de centopeia e medo-me de louva-a-deus.
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Como
a pista duma danceteria em noite de lua-de-amores, iluminando o azul-negro de
flanela traçada pelas estrelas.
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Desci
as escadas e pelo caminho desobstaculado cheguei-me e chegando cedo lhe cheguei
à fala e sem perguntar a beijei.
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Depois
perguntei-lhe:
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– Gostas
da minha língua?
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– A
tua língua será nossa a língua, como a minha, quando deitados nos fizermos amor.
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Coração-camartelo
na ansiedade indecisa, entre a dança e a cama.
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– Que se foda, não quero saber!
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Que
é como quem diz:
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–
Seja o que Deus quiser!
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Na
cama do amor, ser e o estar não existem na língua.
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Loucos
apanhámos a espaçonave, nessa noite de lua-de-amores.
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Para
onde ninguém saiba, prá Cochinchina ou prós Bijagós.
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Deitados
e amadados, repousando inconseguimos não repetir.
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Por
cima e baixo, de lado, por ali e aqui, desvairados na confundição, fomos a
Xangai e viemos, com a boca a saber o mundo, aquele que nos fez há milénios.
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Voando
nesse zingarelho invisível destememos o Adamastor, até que lhe deu um
tranglomango.
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Caindo
saciados. Da cama fizemos barco e na bagunça encontrámos o lençol para bujarrona.
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Com
fome, da água ganhámos um alabote.
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–
Toma! Come! Precisas, precisamos.
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–
Não como peixe.
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–
Que grande patranha…
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– É
de família, vem de longe.
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Disse-lhe
uma nuvem de palavras justificando-me, dissipada como as verdadeiras plo vento
e chuva e ela sorrindo-me.
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– És
um parlapatão. Não sejas picuinhas e come.
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À
distracção, à traição, joguei-lhe pimentas das Índias e malaguetas doutras
Índias.
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–
Ah! Canalha! Malacueco! Tenho a boca que não posso… uma picareta batendo-me e
batendo chispando e das fagulhas às chamas.
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Sorriu
ralhando-me, pedindo-me que a beijasse.
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–
Não, que sabes a peixe!
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–
Grande cão, pulha e sacana...
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Sorri-lhe
à canalha. Respondi-lhe:
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– O
Grande-Cão imperava na Mongólia, minha linda magnólia.
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–
Que tenhas na língua um panarício.
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–
Pois que te quero novamente e muitas vezes. Sou o pirilau-atómico.
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– E
eu a ti, nesta cama em que semeias e te agasalho e assim agasalhando-me.
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A
mesma língua, a de beijar. A de dizer. A de amar. A de dizer amando, amando e
beijando.
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–
Diz-me uma palavra que gostes duma terra onde não foste para que me disfarce e
desconhecendo-me novamente tenhas em mim novidade para amor se fazer com línguas
beijando-se e só na apoteose me reconheças.
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–
Guatemalteco. Diz tu…
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–
Monegasca… gibraltina.
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Assim
jogando nos fizemos ao mundo, na cama-barco com suas flâmulas. Deleitados na
rede quase invisível do gurupés, zarpando da pátria.
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Virão
saudades e regresso quando a falta for mátria.
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Na língua
articulamos frátria. Que as línguas façam seus desejos.
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Palavras
que gosto.
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Nota
1: Era gaiato e criei o trocadilho do beijo e do gostar da língua, beijando uma
estrangeira. Um dia, ao ver – julgo – o filme «Pedro, o louco», de Jean-Luc
Godard, percebi que chegara a terra conhecida.
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Nota
2: Este texto nasceu para ser uma festa de palavras que gosto. Algumas
existiam, outras inventei e há as que conheci por outras bocas – originais ou
não:
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Amadado – Caetano Veloso.
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Animadado – Caetano
Veloso.
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Confundição – desconheço onde a encontrei.
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Desobstaculada
– desconheço onde a encontrei.
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Discotecário – Caetano
Veloso.
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Espaçonave – ouvido a um brasileiro.
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Frátria – Natália Correia.
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Giradisquista –
Caetano Veloso.
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Inconseguir – Assunção Esteves.
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Mátria – Natália Correia.
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