digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

segunda-feira, abril 13, 2015

Penso em coisas estúpidas e adormeço entre o dia e a noite

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Não posso de mim. Chato-me no tédio teimoso, força militar de ocupação. Como tirar esta vida de mim, pergunto-me, esqueço-me e adormeço, sedado pela dor e pelas drogas, mergulhando ora em agonia ora no chapão da pressa.
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As gatas acodem-me no vazio, puxam-me da realidade caminhada uns vinte centímetros sobre a realidade. Sobem buscando-me lá tão alto.
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Trepam até olharem para baixo e param, porque os gatos têm vertigens, quem o nega não sabe. Sobem e ferido e precisado abraço-as amedrontadas e pouso-as onde devíamos estar.
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No tempo do vazio esqueço o tédio. É quando penso melhor e não tendo finalidade nem proveito.
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Penso em coisas estúpidas:
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– O que seria se Eva fosse ruiva?
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Do que penso nem ócio nem negócio. A quem poderei vender as curtas frases de preguiçoso, que me anulam e cansam e não fujo porque não sei nem sei se quero conhecer.
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Penso em coisas estúpidas:
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– O néon é feérico.
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Iluminado pela revelação insisto até o cansaço de repetir como o pingar duma torneira lassa, tortura chinesa, até sentença sábia seja a onda a remolhar a certeza anterior defeituosa.
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Penso em coisas estúpidas:
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– Pelúcia é uma palavra desastrada e a visada por ser pirosa é sã e aconchegante lembrança da infância agarrada ao urso a secar as lágrimas e embalar. Peluche diz-se no movimento dos lábios do beijo da avó.
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Sempre grávido e incapaz de parir muito e aflito dos abortos impossíveis. Dou por mim em locais onde não sei ou lembro o caminho. Matraquilho-me com qualquer coisa nascida atrás dum sítio.
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Lembro-me de coisas estúpidas:
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– Isto só em Portugal! Em Portugal é tudo devagar, devagarinho e parado! Nos outros países é a mesma coisa.
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Respiro ar ondulado e deitado penso em dormir, acordado penso em deitar-me. Mortifico-me com todos os padecimentos que causei. Não me importa a adolescência.
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Penso em coisas estúpidas:
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– Nenhuma vida merece um amor e nenhum amor merece uma vida.
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Aforismo impensado, sentença adolescente e facilidade da preguiça. Espero tenha sido inouvido ou inlido ou esquecido ou perdoado.
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O amor insiste e persiste nas memórias das dores paridas a custo, filhos relembrando actos de falha de amor-próprio.
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Penso em coisas estúpidas:
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– Não me posso lembrar. Não me posso esquecer. Não posso lembrar-me de esquecer.
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Sinto-me único e disfarçado na multidão dos sete mil milhões encarnados e dos muitos mais desencarnados. Ninguém tem este tédio.
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É lagarta pesada de pederneira e faíscas, de pedra articulada sulcando e alimentando-se, agarrada como sanguessuga e soltando sal na ferida.
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Insisto e penso em coisas estúpidas:
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– Penso mal, devia ir à terapia da fala.
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Percebo ter inventado uma metáfora. Foi sem querer. Juro que foi sem querer, falo antes de pensar e tenho a boca à frente da mão.
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Não há remédio para o tédio. Engano-o numa cascata selvagem. A boca escancara asneiras mais caudalosas e brutas do que o débito da água solta pela barragem de Cabora Bassa.
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Memória e arrependimento, inconseguindo soltar o desaparecimento da dor. A felicidade antiga é fogo de soldar. A memória triste é fogo de cortar.
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Repito pensamentos estúpidos mas menos estúpidos, chatos, na Eva ruiva e na púbis feminina.
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Penso qualquer coisa de acertado:
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– Ainda no Paraíso, Eva estava depilada e lisa, de pequenos lábios rosáceos ou bordejados no escuro único do sítio ou negros como o das negras? Teria tufo macio e de que cor, sabendo que era ruiva?
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Milagrosamente ejaculo tédio e penso na musa e digo piroso:
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– Quero ver-te dando-nos.
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Deito-me e adormeço.
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Entre o dia e a noite.

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