digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, maio 07, 2014

Carta dum lugar distante

Se aqui estivesses – e contigo a nudez que imagino – beijaria belo como nos filmes e intenso como na carne.
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Antevejo-te os seios. Não há fotografia em que te veja que não te espreite à descoberta.
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Se estivesses, beijar-te-ia como se fotografasse. Bem poderia a memória mentir, que a prova estaria impressa.
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Se te fotografasse nua haverias de mostrar.
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A pele branca, o ondulado suave.
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Fora da tela, o meu carinho a molhar-te.
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Fora de cena, fotografaria a pele alagadiça, com finos ribeiros e pêlos arrepiados como ervas primaveris.
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Sei que o preto e branco mente como um poema.
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O preto e branco é mais dramático.
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A fotografia só é verdade no momento.
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Mentira por mentira, seria a cores. Ninguém acredita na cor.
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O que em ti vejo, ninguém acreditará que é um nu.
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Sei-o eu. Não sei se percebes a nudez que a roupa mostra.
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Esquece os artifícios das mulheres. Uma mulher vestida é sempre nua, quando o querer é.
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Se existimos nas fotografias.
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Por que é tão difícil entender que se consegue ver para depois da roupa?
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Qual é o mal da roupa? Já fiz amor de amor vestido. O mesmo carinho, a mesma maldade.
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Não sei se diga... talvez saibas, por intuição.
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Sentiste? Presta atenção ao que te diz o corpo. Não o da carne, mas o que te veste o espírito.
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Arrepia, não arrepia? Não digas nada, sente. Sentes-me?
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É aí que te vejo.
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Entre o sexo e o amor. Um lugar com vista para dois lados.
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Sentes? Presta atenção. A minha mão.
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Aí.
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Onde ainda te sinto a carne e antevejo a alma.
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Atenção à minha mão. Presta atenção. Esquece tudo o resto. Sente.
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Não falei em sexo. Não falei de amor.
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Disse fotografia, aquela coisa que não existe depois do momento.
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É nessa dimensão que fazemos amor, ao pensar do olhar.
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Onde sentes?
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Aí. Aí mesmo.
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Antes do momento.
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Aí mesmo.
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Nota 1: Por coincidência ou não, esta obra de arte tem o título que pretendia dar ao poema. Pesquisei por imagem e encontrei esta como certeira, achei certeiro o título que tem, o mesmo que queria para o meu. Giro!
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Nota 2: Não consigo perceber se se trata duma fotografia ou duma pintura ou duma colagem. É provavelmente uma obra de técnica mista, daí no descritor estar catologada como «Arte visual».

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