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Os anos apagam letras e palavras e nos seus lugares põem
outras. Dos lapsos da memória, atraiçoada pela idade antiga ou distraída pela
jovem. Os sítios mudam de sítio e as pessoas entram porque outras se tiram.
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Uma estória só está completa na sua nascente, nem quem a
escreveu a dirá sempre do mesmo modo. Depois inventaram a escrita e ainda.
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No livro:
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– O Senhor Deus fez brotar da terra toda a espécie de árvores
agradáveis à vista e de saborosos frutos para comer; a Árvore da Vida estava no
meio do jardim, assim como a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal.
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Se não fossem duas árvores, uma dá frutos como a outra, tão
próximas que as abelhas as cruzaram.
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O livro diz que disse:
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– E o Senhor Deus deu esta ordem ao homem: «Podes comer do fruto
de todas as árvores do jardim, mas não comas o da Árvore do Conhecimento do Bem
e do Mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás».
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Se for a mesma que a Árvore da Vida? Quem contou e os que foram
contando e o que escreveu, quantas vezes não se empolgaram e do ribeiro fizeram rio?
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Comeram e viram-se nus e de vergonhas se tomaram, escondendo
as partes pudendas com folhas de figueira.
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Não terá sido com uma pouco calórica maçã que a Serpente
desafiou. Seria figo, o fruto da árvore proibida…
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Do que o tempo erodiu se criou o lugar para outras palavras e
conhecimentos. O saber anterior feneceu. Digo, porque não era uma árvore.
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A Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal era uma trepadeira.
Por lenhosa, cuidaram que fosse de largo tronco vertical.
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Uma videira, tenho a certeza! A certeza dos insábios.
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Ou se fosse uveira abraçando a figueira... Vejam-se as folhas duma e doutra – quase insolentemente – e a doçura das frutas.
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Se fosse uma parreira, entrelaçada no tronco forte, podia
ser que existisse a Árvore da Vida, a figueira. A outra, a da sabedoria.
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As primeiras adolescências foram como hoje, de desobediência
e transgressão.
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Com o conhecimento, Adão e Eva colheram uvas e com elas
fizeram vinho, que também se chamou sangue.
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Da alegria do vinho nasceu o desejo e despiram-se de folhas
para a primordial cópula.
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Só a idade junta experiência e diz certo e errado, culpa e
punição, e penitência, castigo com que os anos maltratam a libido.
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Nasceram filhos e filhos e filhos dos filhos e filhos dos
filhos dos filhos.
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Por culpa de declamadores por milénios, a verdade retorceu-se.
Deus deu-nos o prazer e todas as árvores e também o vinho.
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