digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

quarta-feira, novembro 04, 2009

Os siameses e o Pequeno João





















Dois amigos, muito amigos, no género gémeos siameses, entram num restaurante e sentam-se numa mesa banhada pela afável luz do Sol. Os dois parceiros juntam-se com regularidade para comer, seja almoço, seja jantar. São siameses porque concordam em tudo e pensavam que só em completa sintonia se pode ser absolutamente amigo e, em última análise, feliz. Quando se abancam pedem a mesma coisa, nem discutem ou duvidam.
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Naquele começo de tarde no restaurante das alegrias sentaram-se os siameses com vontade de conversar e repastar como habitualmente, como sempre, como só podia ser. Sentaram-se enganados, sem que alguém os levasse ao engano. O enguiço aconteceu por culpa própria, certamente por desacerto astral. Há coisas bizarras que acontecem no céu e desta vez foi à hora do almoço.
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Escrevo aqui parte do diálogo o melhor que sei, posso e lembro. Digo já, em avançado, que a minha memória já não é o que era, mas continua fiável. Foi assim:
- O que desejam os senhores para almoçar – perguntou o empregado.
- Ovos mexidos com espargos verdes e peixinhos da horta para entrada – afirmou um dos siameses, sem que o outro deixasse o jeito distraído.
- Sim senhor – respondeu o empregado antes de fazer a fatídica pergunta – e para prato principal o que vão querer?
- Ensopado de borrego – exclamou peremptório o mesmo siamês.
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Foi neste preciso instante que se sentiu um estranho fenómeno meteorológico no Canadá, em resultado duma borboleta ter batido as asas na Austrália. O outro comensal arregalou os olhos e não hesitou em contestar a escolha. Absolutamente não! Gerou-se uma profunda discordância entre os dois. O conflito terminou com uma sábia pergunta do empregado:
- Por que não pedem pratos diferentes? - Fez-se luz e depressa se celebrou um feliz acordo.
- E para beber? – prosseguiu.
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A situação astral realinhou-se e o consenso voltou a reinar. Mandaram vir Pequeno João 2004, um tinto Regional Alentejano.
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Os dois amigos compreenderam, naquela refeição, que a amizade não tem de ser simétrica, absoluta e mimética, embora se faça de elementos comuns entre as partes e assente em cumplicidades. Os laços fortaleceram-se, então. Saíram os dois mais felizes do que entraram. E brindaram com aquele tinto. Claro que brindaram, até porque é um vinho «daqueles».

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