Nunca percebi por que razão não se bebe Vinho da Madeira no continente. Não é apenas falta de patriotismo, é miopia da gula. Não há ninguém que promova estes vinhos?.
É uma vergonha que ainda não tenha ido à Madeira! Parece mentira! Como é possível que um cidadão nacional não conheça o território pátrio?! Inadmissível! Contudo, não há nada a fazer. É verdade. Não conheço a Madeira nem o Porto Santo. Não, não é por nenhuma maquinação de jornalista continental (cubano) contra o dr. Alberto João Jardim e o seu Governo. Trata-se apenas de desleixo, de alguma falta de curiosidade, de outras prioridades, de não ter tido uma namorada madeirense... sei lá que mais. Porém, não quero fazer 90 anos sem lá ir. Tenho a vida toda e faço aqui uma promessa. Até deixo um motivo: o vinho. Que mais haveria de ser?!
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O Vinho da Madeira deve ser, depois do Vinho do Porto, o vinho português mais célebre e prestigiado no mundo. Contudo, no continente português ninguém lhe parece dar muita importância. Os franceses têm a mania das coisinhas «au Madeira». Fica o dito despromovido a mero tempero? Talvez. Ou talvez não, possivelmente resulte numa valorização do repasto. Por cá, andamos a beber uns aperitivos industriais, uns vermutes industriais, em vez de provar um simpático Sercial.
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Aqui há uns tempos, não sei precisar quando, mas foi este ano, fui convidado para almoçar no Ritz pela casa HM Borges, firma fundada em 1877, e dedicada ao negócio do Vinho da Madeira. Bem fui eu habituado a ter os ditos néctares de entrada e de saída nos repastos, quando me deram uma traulitada nas convicções e mos serviram no repasto. Muito obrigado pela experiência. Valeu a pena e fiquei impressionado. Parabéns ao chefe, que operou um menu para o momento e fez casamentos de grande felicidade.
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Entrou-se com um Harvest Sercial de 1995 que se enrolou macio e suave dentro de mim. Quando lhe encostei uma salada de tomate e courgette com espargos começou a cantar alegrias. Encanto maior mostrou o Harvest Colheita Boal de 1995... que delícia elegante no nariz e prazer na boca! Este é capaz de fazer renascer um espírito cansado. Quando se soltou na boca e junto à mousse com avelãs e foi-gras houve brincadeiras desenfreadas e alegres. A coisa acalmou com o Harvest Colheita de 1995, feito só de uvas negra mole, e embora não sendo de mau fundo não brilhou por causa dos manos. Nem mesmo com a carne de vaca macia, a batata desfeita e os legumes verticais o fizeram subir a grandes alturas. A fechar a festa veio uma sericá com mel escoltada por um Harvest Malvazia 1998 e o júbilo foi notório, tanto da parte da noiva, como do noivo, como durante toda esta boda.
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Quinta da Fonte do Ouro Reserva 2003
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Preciso urgentemente duma bússola. Ando a perder-me no Dão. Perco-me de amores com alguma facilidade... ou felizmente encontro-me. Não sei muito bem definir o que se passa comigo. Outro dia foi perto de Nelas onde perdi os passos... dei por mim numa propriedade vinhateira. Entrei, tinha um nome pitoresco: Quinta da Fonte do Ouro.
Matei a sede com com e os desejos com vinho. Provei dois. Um encantou-me mais do que outro, pois como é suposto prever. O primeiro foi um monovarietal de touriga nacional e o segundo o Reserva, nascido dos bagos de touriga nacional (50%), jaen, tinta rouriz e trincadeira.
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Fizeram-me uma festa com javali na mesa e fiquei feliz com os sabores da fruta vermelha e do chocolate daquele tinto bem nascido, suave, com bom corpo e final longo.
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Por ali fiquei em deleite, deixando-me ir, esvaindo-me em vida, como se o tempo passasse à velocidade da minha vontade. Despertei do sonho ainda feliz e com a satisfação do prazer cumprido. Levantei-me da mesa e prometi escrever um agradecimento a Nuno Cancela de Abreu por fazer um vinho destes.
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Romeira Reserva 2002
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Palmela é uma vila catita. Quando subo ao castelo gosto de me debruçar, com vertigem, sobre Setúbal. O vinho não tem nada a ver. Os vinhos da demarcação vêm dos solos arenosos do concelho, para onde foram levadas as vides, depois de se saber que os pulgões da filoxera não pegavam onde havia areia. Por aquelas bandas, o normal é encontrar a casta castelão... agora já não se lhe não pode chamar periquita, como era conhecida popularmente.
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Os vinhos de Palmela agradam-me muitíssimo, porque não me fazem pensar. São fáceis. Chegam-me e satisfazem-me prontamente. São a minha escolha feliz para o dia-a-dia, uma aposta segura de alegria descomplicada. É bem verdade que nas zona, ainda que com a designação de Terras do Sado, têm surgido vinhos mais desafiantes, mas estou apenas a referir-me aos vinhos de Palmela de forma genérica. Contudo, outro dia arregalei os olhos com um Palmela DOC, um castelão puro: Romeira Reserva 2002.
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O mais graduado palmelense das Caves Velhas é um verdadeiro reserva, de que foram feitas poucas garrafas. No nariz tem fruta em passa, resina, baunilha e canela, e na boca há boa estrutura. Que agradável surpresa. Tenho de o visitar mais vezes.
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