digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, setembro 30, 2016

Caixa de madeira

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No Outono, no meu jardim de Outono, espero ter a ordem do universo, só o sobressalto de Outono sem pólen de Primavera.
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No meu jardim de Outono sou só no mundo e o mundo é outro lugar onde tudo o que importa no mundo importa ao mundo.
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No meu jardim de Outono os pés são nus e mostram a sua natureza no chão irregular. Nenhum pássaro se revela, mas canta a luz descendo.
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O meu jardim de Outono guarda-se numa caixa de madeira com recados antigos do tempo do amor-sorriso e ramos de perfumes atados lembrando quem não me recordo.
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Guardado na caixa, o meu jardim de Outono vê o Inverno chegar e depois a Primavera e depois o Verão e finalmente se liberta alinhado na ordem do universo.
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Nota: O trabalho de Luiza Maciel pode ser conhecido neste sítio http://desenhosluizamaciel.blogspot.pt/

quinta-feira, setembro 29, 2016

Todos os dias tento

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A realidade fica algures, sei-o porque existo numa praça de Chirico, onde a memória é como o vento e a luz, vazia sem sombras, entre o sonho e o desejo. Sou aqui e não saio, mas às vezes vou sem partir, ubíquo e ambíguo, ao sítio dos outros, quando acredito que existem e admito a realidade – um lugar estranho. E não consigo.

Vento

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A preto e branco tudo parece poético como se um candelabro negasse a pornografia. O meu negro é a cores, tão mais belo e tão mais triste.
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Pergunte-se à chuva como prefere dar cheiro à terra. Das abelhas às flores, do risco do avião no céu e dos olhos do amor.
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Mas nunca tinjam o cinzento nem seus extremos.

quarta-feira, setembro 28, 2016

O jardim de Peter Pan

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As madrugadas eram vazias e do jardim, Lisboa no fundo como cinema. O balcão gradeado do lugar adulto, donde nada se via antes da cidade nem além do céu, estava segurando como fronteira.
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Descendo as escadas ao sítio interdito, na ingenuidade do recato, que de dia das crianças findava deixando as suas alegrias, repetindo-se então mudas, escutadas pelos taciturnos e maníacos, ficava um país.
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Sismo ou fogo, naquela varanda larga, de sombras quadruplas ou mais, pelas luzes amarelas, o frio não existia dizendo para além. Voando de hálito do vinho, chovesse ou acontecessem as projecções na gravilha e nos bustos solenes, tínhamos uma felicidade incondicional.
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Éramos outros, éramos nós, como os miúdos. Respirávamos fora do corpo, com o ânimo de regressar às corridas, aos bibes e chapelinhos coloridos.
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Saciados de infância e vinho, devolvíamos o terraço ao vazio, aos fantasmas sós, antes do alvorecer, porque as horas reclamam a carne e o tino. Pela manhã, meninos verdadeiros reconquistavam o que deixáramos em nostalgia.
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Também havia um abrigo, caixa-forte de amor, escuro tal como corpos em transgressão, mas isso era outro país.

Inglória

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Importa a herança, a tristeza agarrada à memória e também os remorsos de anos de cobardia e imponderada valentia. De tudo se tira vergonha na falta de glória. Em silêncio se acalmam as vinganças e no escuro se murmuram as incompreensões. Num sarcófago de granito, onde a luz não pode chegar, resta a esperança por uma esperança e se faltar nasce abandono.

A dor de Deus

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As aves não cantam em Treblinka.
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Também chove em Auschwitz-Birkenau.
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Em Chelmno a vida não era a preto e branco.
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A memória de Sobibor gera pesadelos.
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O odor de Belzec é irreproduzível.
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Os setenta e dois ainda arrepiam. Como se fossem iguais.
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A minha dor é maior do que a tua.
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A tua dor é maior do que a minha.
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Se o Diabo existisse e a morte não se abrisse novamente à vida.
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Se só tivesse sido loucura a consciência não pesava na alma.
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Nada se apaga, mas venha o perdão – sabe Deus.
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As aves não cantam em Berghof.

domingo, setembro 25, 2016

Glória

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De morte vou nos dias, sou a sombra e a sombra sobre mim se debruça e a sombra a mim se agarra.
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As ruas e os lares são fora, vivo numa esfera translúcida donde toda a vista se deforma e o som se imprecisa.
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Anseio uma loucura menos nítida para que passei a nudez e diga alto palavras sonâmbulas.
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Se ao menos tivesse coragem para rir até me tomarem por tolo, os que não sabem e os que deixam e os incertos.
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De tudo se pode vergonha e glória.
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Nota: Não consegui apurar a autoria do desenho. Quem o souber, por favor, informe-me, de modo a poder atribuir os créditos de autoria.

sábado, setembro 24, 2016

Névoas

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Há a lei e a transgressão. A vida é juízo e riso. Pouco será tão arrogante quanto dizer que de nada se arrepende.
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É-se velho no inevitável lamento mas cego ao espelho, certo de que nenhuma nos faltará, sobretudo com um roadster descapotável.
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Quando se vai a um armazém de tristezas e negações e se paga para dançarem nuas no colo, roçando os mamilos nos lábios, largando perfume barato e pó-de-talco, para mal disfarçar esperando ciúme, que provavelmente não acontecerá.
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Quando se vai às putas.
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É-se velho quando a geração é gorda, sofre de cancro, deixa de fumar e se casa pela segunda vez, porque só ouvem as canções dos dezasseis anos ou as que eram pirosas, paralisados diante do ecrã do computador em Error 404, e as fotografias antigas não fazem sentido e nem se reconhece.
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Falta o tempo da esperança, muito mais do que os cabelos esbranquiçando-se. Quando se esquece a jura de que a verruga é perfeição adormecida.
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Quando já não se sabe se sabe e nem a incerteza é certa.
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Quando dizemos que antigamente é que era bom, a música agora não presta, os jovens não se sabem vestir nem pentear.
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Quando a escola não ensina e os miúdos saem sem saberem coisa alguma.
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É-se velho quando se vive, acordado e dormindo, a derrota e sonhando se faz da vingança a justiça, na felicidade de fim de livro, realizado e reconhecido.
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Quando nada se diz para nada ouvir.
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Quando se diz que velhos são os trapos.
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Quando se diz que não se caminha para novo.
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Quando nega ser o que se garantiu nunca estar.

Podia ser Lisboa

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Seria feliz numa cidade com um rio igual ao Tejo e a luz de Lisboa, onde o tudo-à-volta abraçasse e não estrangulasse e todos fossemos anormais, rompendo a tristeza.

sexta-feira, setembro 23, 2016

Tanto

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Digo alegrias nos dias em que morro, sabendo que a luz será banal. A dor é mar que não devolve.
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Fogem enjoados, só pressentindo o negrume, pois o negrum sabe quem vive morrendo. Ninguém quer saber e só uma ferida.
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Sei da impossibilidade da morte, porque morrendo sou em desejo de inexistência.
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Esquecido por esquecido, se inexistente, basto numa palavra e vão contentes.

Outono de Verão

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Clara de sorriso-espírito numa noite despida em silêncio e silenciando no lume dos lábios cuja luz esclarece, porque mariposa é presa.

Xenofografia e Xenofonia

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Vêm imigradas para o trabalho e indígenas morrem de involuntário suicídio. As palavras não se sabem defender. Quantas não feneceram por esquecimento. Não há cemitério onde se velem e chorem, perecem indigentes. Poucas velhas das aldeias lembrando falecidas e doentes. Engravido-me na esperança narcísica de que alguma perdure.

quinta-feira, setembro 22, 2016

Hamlet

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Azul não é triste nem. Azul não é estado. Azul não é cor. Azul define o belo. Outra palavra precisa de invenção que encha o vazio deixado da iluminação.

A ilusão de Fibonacci

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Desdizer o dia não o extingue e nem por isso existe, igual no sonho, seja assalto ou ambrósia.
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Nadando mariposa e respirar água, elemento diferente do espírito do Capricórnio, correndo risco no maior espectáculo do mundo, é um resumo possível da vida.
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Só no conceito a matemática é bela e por isso a arte.
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Parei por fora e dentro inquieto e disse, não sei se no ar ou solidão, que:
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– O quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos.
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Verdade no universo como a água e a sombra.
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Deus não precisa da matemática como não precisamos de religião e se – creio na lógica – sei porque o instinto me diz:
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– Os quasares são de diferente matéria do espírito da proporção-áurea.
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A verdade é dez multiplicado por um vírgula seiscentos e dezoito ser dezasseis vírgula dezoito. O engano é a hipnose da proporção do Pártenon.
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Contudo, o Teorema de Pitágoras é as duas.
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Assim se vai e é na espiral.

Estorninho

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É luz como chuva de lâminas, uma melancolia de gaivotas sobre a multidão de peixes, a restante ao pôr-do-sol, da verdadeira água, tão firme que os estorninhos se descansam prematuramente.
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Porque tudo se resume a pouco que digo quase nada ao falar e verdadeiramente tudo se condensa no tudo.
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Préstimo abençoasse ou a clareza do esconderijo revelado e seria quem desejo e se, porque o se é quase nada e quase tudo.
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Se fugisse no Campo de Estrelas e ingenuamente acreditasse que as léguas regeneram a índole e o suor lava a consciência.
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Seriam mais palavras depois do dicionário e sem definirem a vaquietude.
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Peregrino indo a Roma, palmeiro querendo Santiago e romeiro ansioso de Jerusalém.
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O destino não existe e dele não se foge e se fosse quem desejo e por isso elogiado.
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O destino é lugar e tempo para onde e daí se.
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Quando me perguntam respondo seja qualquer coisa. E se? Ainda.
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A minha vida é a trimetazidina no meu nariz.
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É o meu destino e por isso não existo. E voando vago.

Amarelo à bolonhesa

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No dia em que a humanidade se complete no desacerto da unidade das bombas terei um garfo na mão e uma frustração sem tempo.

sexta-feira, setembro 16, 2016

terça-feira, setembro 13, 2016

Um outro lugar

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Demasiado açúcar nas veias e tanta amargura. Como se o azul prussiano existisse para fazer verdes. Suspenso pela melancolia esperando a esperança, vivo entre unicórnios e urtigas.

Mãe

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Do movimento de translação se acrescentam de preto e branco, a melancolia da chuva e silêncio, uma memória vaga doutra vida e enregelado por isso e do dia.
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Os lobisomens não despertam nos luares negros, quando tudo pára para que possa ser dia como os outros.
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Essa escuridão e a luz da mãe, seu amor quase canino.
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As horas paradas da mãe serão instante. Virão mais cinzentas e o Sol enfeitiçando os meus olhos, como se fosse meu.
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Pudera roubar o tempo ao relógio e a Deus a lembrança.

Ovo

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A mãe é dia que não passa, até nos fazer falta.

segunda-feira, setembro 12, 2016

Quando o trabalho não apetece


Descompreensões

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Quarenta e seis anos desanalfabetisando-me e não entendo as coisas.
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Garganto-me, esboço de certeza em contradição do que sou e estou, reflexo dos espelhos que me apontam, o único brilho, incinerando-me.
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Falares que riscos apagam sem resistência.
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Em permanente contramão viajando na velocidade de espiral de matéria-negra. Sem travões e a crença-vontade infantil de que chegarei salvo.
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Criança insistente mas batida de passado e consciência, ruído de incompreensão e injustiça – talvez verdades.

Rios

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Às escuras se chora, sabemos, e à chuva também se secam as lágrimas.
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O resto são sobras, feitas de horas, feitas de dias.
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Fora da casa fechado sob o tecto de céu, mistérios de partida e chegada.
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O claustro vazio. Nem arrepio, sem consolo. Só a chuva, não sei se fora ou dentro em mim.
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Na cabeça uma marcha solene digna de reis consolando numa ilusão de importância.
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A chuva rioando pela face e eu esperando acreditar num milagre.

Como sonhando

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Maria está nua de inesperada nudez e desprevenido aconteceu-me como se o estivesse.
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Numa mansarda no declive de Alfama quase direita na linha do Tejo.
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Descalço nas tábuas e divã, a música e o ar que traz frescura, calor, luz e rua.
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Amanhã é longe, dia não finda.
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Maria infinitamente nua como numa fotografia.
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Cheirantes um do outro, aroma de memória futura como tudo resto que sobra dos abandonos.

sexta-feira, setembro 09, 2016

Me ache se perder

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Desacredito-me na teimosia dos castanhos, deserdado do espaço ao redor, em promessas e das traições.
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A vida é uma mentira que não pedi. Duvidando-me luto contrariando, em provável ilusão.
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Sou o que sou, pateta dolorosamente míope, colhendo da traição que não me fiz.
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A vida cheia de nada, perdas e desencontros.
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Se a derrota me derrotar e engolir os castanhos que os castanhos depositaram no sou.
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Engano-me nas minhas mentiras piedosas, ilusões de valor e préstimo, onde fica o meu único amor-próprio.

quarta-feira, setembro 07, 2016

Do livro e da boca

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Sempre que uma palavra se inventa há um Camões que se alevanta de feliz.

Palavra

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Depois de dita a palavra é plena, não volta, e do mundo. Assim o texto mas não a revelação. No o caminho a luz é de quem sabe e sabe como. Nem indo lado-a-lado, porque cada o seu. Aliás, lado-a-lado só quem sabe e quem pode, resta inconseguimento.

No subúrbio

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Na alcatifa no chão duro e almofadas e quase nada sem horas sem campainha sem telefone só nudez solitária dos solteiros e pipocas amendoins e cerveja, coboiadas ao sabor da pólvora.
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Os bandidos mortos na dança de cair, com cigarro na boca e pó todos só o cheiro não, e iguais.
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Que seria a vida sem fitas de cowboys e tardes antigas nos cinemas de reposição e sessões contínuas onde primeiros beijos.
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Sem cerveja não haveria espaçonaves nem homenzinhos-verdes pistolas de lazer portas de luz nem viagens sem distância e matéria e parte da vida.
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Que do cinema negro e série B de terror e erotismo sem cerveja e segredo esquecendo o tempo.
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Só sem cigarros e haxixe e conversas inlembráveis e respiração.
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Tudo resumido numa palavra de nudez silenciada em rios do esquecer, pipocas amendoins e cerveja no escuro da luz da televisão sussurrando para ninguém saber.
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Para ninguém e nem mesmo.
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Quando se vive como um rato resta morrer como um homem.
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Quando se não se sente nada é porque se sente tudo. Por isso.

Os dias

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Há tempo com futuro.
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Há tempo levado no mar das lágrimas. Vai o coração e sobram cabeça, estômago e fígado. É quando da injustiça e de raiva, a incompreensão com o sabor férreo do sangue e da espada acobardada.
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Está-se no quarto de dentro, assombrado num escuro, noites de reclusão e vigília falando com fantasmas e amigos imaginários. Dizem-se as verdades poupadas pela inutilidade.
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Há um tempo sem tempo, quando se sonha a infância e se ri do destino, provavelmente merecido.
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Haverá tempo para esquecer e o dia.

terça-feira, setembro 06, 2016

Maresia

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Prevejo-te beicinho nos olhos que deduzo verdes. Pela noite ao amanhecer perdido o conto aos banhos, quando se faz amor é improvável de cá e lá de nós, só pele sobressaltada do fresco e do desejo e as bocas molhadas de sal.

Quae est aestas

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Só o drum and bass faz Verão. Nego os dias de antes, foi sonho e invenção. Nem areia nem mar nem luz nem calor nem antes da caipirinha.
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Nota: desconheço latim, é altamente provável que esteja errado. Quem souber que me esclareça.

Rodogare

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Na rodogare somos mais anónimos e por isso quase livres. As camionetas pausam em todos os lugares. Nas ferrogares chegam e partem os comboios que param espaçados nos sítios. Nas aerogares e nas navogares sabem-se os nomes e os destinos.
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Na rodogare posso amar quem quiser e apaixonar-me de dez em dez minutos e ser retribuído mas inconsequente sem dolorosos assombros de dor moral.
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Na rodogare posso andar dez centímetros acima dos dias e poupar nos bolos expostos numa montra onde tudo é amarelado da luz.
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Na rodogare o café é mau, mas isso nos apeadeiros ferroviários – preço da pressa e da ansiedade e da tristeza e das saudades, porque ninguém viaja de camioneta porque quer.
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Na rodogare o chão é mais sujo e as pessoas.
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Na rodogare fuma-se descaradamente e nem num automóvel.
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Na rodogare a luz é escura e cheira a diesel.
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Na rodogare as casas de banho servem viciados e corruptores e doentes de qualquer sexualidade.
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Na rodogare há os gordos mais gordos e os feios mais feios e os mais malcriados e os mais simplórios e os mais mal vestidos e uma multidão de gente carregando gerações de consanguinidade, alcoolismo e analfabetismo.
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Os cães não podem entrar na rodogare.
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Essa é a liberdade que falta.

segunda-feira, setembro 05, 2016

Azuis

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O meu coração tem duas cores:
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Azul!
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Nota: Variação da afirmação de João Pinto (Futebol Clube do Porto).