digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, agosto 21, 2016

O milímetro

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Estou tanta coisa que me prometi não ser. Desconheço onde termina um verbo e começa o outro.
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A felicidade resume-se a uma pastilha-elástica de morango sintético e a tristeza à perda do sabor, indiferente ao balão ainda fazível.

Madrugada

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Fiz-te amor sonhando enquanto dormindo, distante sonhavas.
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Tombando peça por beijo de mergulho e aflição.
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Molhados nos desejos, longe levitando no vazio infinito do cosmos.
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No sono somos livres e tocamos além do silenciado na vida.
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Muito vagarosamente, como se o mundo acabasse amanhã e a noite fosse eterna.

Quase nada te digo do que te poderia dizer

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Há palavras que dizem mesmo o que são ainda não as conhecêssemos até à revelação.
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Escaganifobético, nada se define tão bem.
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Assim como esdrúxula é esdrúxula.
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E borburinho é ruído.
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Zingarelho, em que silaba após sílaba se teme que se abata desajeitada.
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Parlapatão é quem tem uma boca de mentiras e fanfarronice, diria falando cheia de favas por nada interessar.
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Cochinchina fica longe, como mãe é perto.
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Pouca de chica-maroca resume, onde se canta falando, o que se quer dizer quando não convém que se diga frente a uma criança, só lhe faltando feder.
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Estas palavras usam-se? E outras! Quando apetece.
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A quem não acredita afirmo mais:
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– Quem diz que os gatos não falam é porque nunca os ouviu a falar.

sábado, agosto 20, 2016

No metropolitano

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Na carruagem do metropolitano oiço qual a próxima estação e penso e concluo demasiadamente rápido que sei para onde quero ir mas não onde sair.
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Que seja, reparo nos rostos. Escolho a miúda para pensar e instantaneamente lembro-me do que seria se fosse quem fui, talvez me correspondesse o olhar acrescentado de sorriso, para sentar-me diante e lhe perguntar:
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– (…)
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Na verdade, quando é assim, quase tanto faz.
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Não me vê e desisto antes que a incomode, na vergonha do que não fiz mas pensei.
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Que me apeie sem susto e chegue onde quero.
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Se fosse simples e eu quem fui.
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Como uma fotografia sépia. 

quarta-feira, agosto 17, 2016

Movimento

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Quando sinto que vou desmaiar desmaio e no momento duma queda ou do beijo apenas volto de sair.

Eu

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Não fui eu. Nem sou. O meu modo de ser é nenhum e vêem-me ninguém. Do quarto à Lua quase um estorvo, irrelevância que não o permite.

segunda-feira, agosto 15, 2016

Livro que não escreverei

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A vida ensinou-me mas não aprendi.
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Se tempo valesse dinheiro, onde guardaria a fortuna? Dos dias que não uso.
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Não há maior tristeza do que a tristeza nem engano mais escuro do que não sentir ao sentir, na dormência das verdades e equívocos.
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Porque se corre para onde se corre e se fica sem caminho nem vontade.
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Olho as minhas palavras e nelas vivo os erros, não de letras desencontradas ou pontuação enganada – pois que também. Leio e percebo que pouco aprendi além de dúvidas.
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Na verdade penso por que escrevo se não o faço para desabafo – ainda assim também. Perdido mas respirando.
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Não estou nu à janela. Estou muito em toda a parte, da luta de dizer do escuro, recebendo as derrotas obrigatórias – ninguém confia depois da verdade.
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As respostas às grandes e primeiras questões não me interessam, pois sou certeza como qualquer ignorante.
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Escrevi:
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– Pouco aprendi além de dúvidas.
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– Sou certeza como qualquer ignorante.
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Duas verdades incompatíveis, equação impensável. O resultado é incolhível, bastam-me os alimentos do negrum, sem o «E» iluminando, do esforço prefiro inconseguir – incompetente.
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Pensar dá-me dores de alma e não pensar também, jogo xadrez com amigos imaginários na sala dos jogos do meu palácio, sítio ladrilhado igual ao tabuleiro, onde Alice passou procurando e fugindo da Rainha. Um espelho muito grande além das paredes para fugir.
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Para que preciso da realidade se a fantasia basta? Jogando no computador posso ser quem quero onde quero, inutilizando as verdades onde sou impotente. Tanto faz, deixei de brincar.
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Há silêncio na noite chuvosa e gatos cruzando as ruas. Não gosto sapatos salpicados nem da gabardina seca sobre a roupa encharcada, por causa do corpo, não da que vem.
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Essa estrada não é mais triste do que na luz num dia quente. Silêncio sem música, apenas passos talvez um miado nem luz sem a Lua nem também.
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Olho as minhas palavras e pergunto-me acerca do que seria se lhes tirasse as vogais ou as consoantes ou todas. Para quê, se poucos lêem e nenhum diz.
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Ah! Há o passado. Engano-me dizendo ter sido feliz. Dois «A» não fazem uma gargalhada e sei rir entristecido. Mas não finjo orgasmos nem escondo as impotências, porque conto as tristezas e – caso tenha entendido mal – calo-me das intimidades da cama.
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A minha vida é de ouro. Os dias antigos têm a agradável patina e estes são horríveis tal o é no brilho novo.
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A verdade é o engano. Não foram do ouro nem da prata nem do xisto selvagem ou do mármore polido. O granito tem dois pólos do agrado, ainda menos.
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Sinto e vejo ervas de comer crescidas na beira das águas que vão ou estagnam. Tanta fome se passou hoje se desprezam sabores. Não as distingo. Esse é outra coisa, ainda seja diversão contra a dor e a dormência.
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Há quem carregue cruz e outros de nada se arrependem. Acreditei em tantos amigos, infantil queria tudo amor, todos amor, falharam, falhei, também nós, perdi sempre que perdi algum, ainda os que não o eram e não fui ou simplesmente traí e traíram – é diferente. Assim as mulheres. Tal aquele filho, onde cúmplice contrariado.
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É possível amar (momentos) quem foi, bolha de ar que rebenta sem som ou consequência – ponho de parte dores passadas e, num instante controlado, as dores, rancor nunca tive.
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Ganhei amores – um ainda puro e incondicional. Virá longe o fim da inocência, sei que o seu sabor longo dura menos do que o do caramelo.
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As tristezas não pagam dívidas. As alegrias são iguais. O dinheiro não traz a felicidade e a falta dele é clara.
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Não se resume tudo a dinheiro. Deseja-se o que se não tem. Afinal, tenho um palácio incrível com jardim diverso e inesperado em expansão igual à do universo. De todas as árvores digo das laranjeiras e dos ciprestes. Na fachada, na vez das heras, há videiras – refrescando o Verão, sem sufocar o Inverno.
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Posso ser quem quiser e tenho um Adenauer preto e um Corniche de azul-prussiano. Tantos, gosto mais do DS2, obrigatoriamente negro, como fantasia de filme infeliz fora da época.
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Só vejo a Relíquia Macabra.
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Nosferatu e o Couraçado Potemkine. Anjo Azul E do Céu Caiu uma Estrela.
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Als das Kind Kind war – da imagem ao poema de Peter Handke. Sonho ofegante a estrada de ferro para o inferno do Ano Zero. Afinal fui alemão e morri numa roupa negra, tenho os remorsos doutra vida, dívida da consciência.
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Cito ou tiro não roubo. Talvez às vezes sem querer e outras por sabendo, tão óbvio que nem engano. Gatuno-me deveras, pois se está como quero há que usar – é mais fácil.
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Na casa há uma estação com duas linhas e um pequeno comboio tão feio que me apaixonei, não sei do combustível nem conheço o seu tratador. Nele vou pelo domínio.
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Tenho um pavilhão aberto com cortinas brancas que avoam, é árabe, passa o ribeiro encanado em tijoleira rústica e próximas estão as laranjeiras, os ciprestes quase invisibilizam o lugar – ainda ninguém sabe nem virá, só mulheres desejadas na insaciedade.
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Escarlate-negro-azuis barrocos-góticos-pedras-madeiras-tapeçarias ferro-vidro-plantas-comboio cozinha-grande.
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Talvez não tenha contado dos cheiros. Podem todos menos os do leite e dos peixes – a realidade invade o sonho, há que a matar andes de chegar.
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Pus tanto e a vida é mais curta, a pedra é fria e a madeira quente, no Inverno há calor e no Verão está o jardim, ainda o ano todo, nas ruas está o silêncio da noite chuvosa onde só gatos e Lua – nem sempre, quero-os.
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Confesso-me vampiro, fui lobisomem – na tal outra vida. Tenho consciência, não sou zumbi.
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No jardim não poisam naves de planetas estrangeiros e no lago há dois Nessies. O Monstro da Lagoa Negra nunca existiu.
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É quase tudo de mim. Se não conto é roçar as inlembranças e a preguiça, pudor pouco e muito nu em toda a parte.
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Quantas vezes quis andar e impotente, indiferente noutros olhos, arrastando-me contrariado-aflito pelo chão da chuva do maremoto do movimento das margens, noites impossíveis e eternas. Mais poderia, chega.
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Sei que não disse do jardim onde waldeinsamkeit.
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O resto não me importa. Nem importa a ninguém.
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Nota: Devido às limitações do espaço para etiquetas, deixo aqui os créditos dos trabalhos artísticos utilizados. Infelizmente, não consegui apurar todos autores. Assim, peço o favor, a quem souber, que me informe, de modo a poder citar a autoria.
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Fotografia da biblioteca: Marcel Breuer.
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Fotografia da floresta (verde): Piotr Szewczyk.
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Pintura da rua chuvosa: John Atkinson Grimshaw.
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Fotografia do Mercedes: autor não encontrado, atribuído a www.autoevolution.com.
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Vídeo: excerto do filme Europa, de Lars von Trier.
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Fotografia do eléctrico: autor não encontrado.
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Pintura de casal fazendo amor: Costa Dvorezky.
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Fotografia da floresta (preta): Husvik.


Cacilheiro da areia

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O comboio é pequenino como um menino, não será como uma mãe, mas sentiria falta se fosse embora, ainda mais a areia e o Verão, quase se Tejo perdesse o cacilheiro.
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Vê-lo passar traz-me as bolas de Berlim e as bolas Nivea. Sabe-me aos Epá e à pastilha-elástica estranha no fim do cone.
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Visto aqueles calções hoje tão feios e lagarto até ao carvão, levantando discretamente a cabeça para ver as miúdas mostrando as maminhas, virando-me na toalha para esconder o óbvio.
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Um dia, quando a praia era só areia e mar, ela despiu o fato de banho lilás para a fotografar, como se tudo fosse permitido ou fossemos invisíveis. O Transpraia chegou-se e apitou.
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Vê-lo passar, ver passar o tempo. O percurso foi maior, viajar é de longe mais do que ir da Costa da Caparica à Fonte da Telha e voltar.

sábado, agosto 13, 2016

Sempre à volta

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O horizonte é mais ou menos verdadeiro. Intangível num mundo redondo como a fotografia. Olhando ou cego para onde, tudo à volta, do descansar a vista até à ansiedade.
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Nota: a pintura do topo é de José María Yturralde e a do fundo de Casper Brindle.

Da vista

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Não sei se é maior palácio, casa grande ou jardim, da angústia à melancolia, redondo como o mundo.

segunda-feira, agosto 01, 2016

Filomena

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Quando vi Filomena nua fiquei parado e vestido. Deixei o copo como miragem quando tive sede. Acordei quando se me deixasse teria feito amor com ela.