digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, abril 22, 2011

A flor amarela





















Não sabia que as flores podiam odiar. Perdi um bocado de mim. Tenho no meu tronco um túnel, coisa redonda perfeita, sem nada dentro. Perfeitinho. Calcinado. Vê-se como se fosse de cimento, mas menos rugoso. Totalmente liso e macio. Levou-me a flor. Não encontrou o coração, que esse há muito teve independência. Mesmo lá no Norte, em Edimburgo, bate sentido. Quando sente a alma, sente ele. Que mal terei feito, crime grave. Fui fértil. Desejei e amei. Hoje sou o estrume que alimenta o ódio ou o desprezo ou a negação ou qualquer coisa cuja sombra espeta. Fiquei a saber que as flores mentei e odeiam. Deve ter sido grande o amor por mim.

domingo, abril 17, 2011

Quem?





















Quem vou amar hoje? Não a ti que me amas todos os dias. Não, por amor e pudor, porque és tudo até minha mãe, minha amiga, minha namorada. Ninguém que me ame. Alguém que possa ter medo da perda. Alguém que não tenha medo. Alguém sem passado. A ti, que me conheces desde sempre. A ti que te tenho certa, mereces, mereço. A ti, por todo o respeito que tenho, amar-te-ei. Por favor, não me ames, porque se te amar deixarás de me amar… Por que hei-de amar ou não amar?! Quero amar hoje. Mas a ti… que te amo e me amas e andamos desencontrados, guardando, cada um, o seu silêncio, sorrindo em mentiras, disfarçando? Hoje amarei alguém. Amanhã não sei. Amei já tantas noites, tantas, tanta gente, que não amo ninguém. Se acredito no amor? Acredito quando me dizes que não amas ninguém e que nunca passei de alguém. Acredito quando me dizes, sincera e apaixonada, que nunca me amarás. Sorrio e deixo-te, esvoaçando como um lenço dizendo estar bem preso no pescoço. Sim, amei alguém. Amei-te e amaste-me e se hoje vou amar alguém? Sim, vou. Quem amei sempre. Mas não a ti, que me amas também. Amarei alguém até me esquecer de ti. Até amanhã. Meu amor. Amar-te-ei sempre. E tu também.

quinta-feira, abril 14, 2011

Som





















Não consigo ouvir com tanta luz. Sei que há amoreiras por aí, pressinto pássaros e julgo saber que este aroma é de violetas. Não vejo nem oiço com tanta luz. No espaço não se ouve a terra. A voz do universo pressente-se, mas não se ouve. Prevê-se, que é como quem diz que vê antes do tempo. A voz do universo não é a de Deus. Será que Deus tem voz? . Está em toda a parte. É toda a parte. Já esteve. Já está. Estará. Antes de estar já lá está. Deus quer. Não precisa de fazer porque a sua vontade é fazer. Deseja ao mesmo tempo que faz. Será? Há a velocidade da luz. Há a velocidade do querer. Há a velocidade do desejo. Há a velocidade do pensamento. Há uma velocidade para a vontade de Deus? Não compreendo Deus. A minha crença é insuficiente para dele saber o que quer que seja. Intui-o. A minha crença é suficiente para saber que dele não sabemos nada. Esta tanta luz que não me deixa ouvir. É um zumbido nos olhos. Um formigueiro na alma. Desço as escadas que dão para o jardim, pela força de tanto o fazer, faço-o sem custo. Contrariando a vontade da força da gravidade, que quer tudo sempre em baixo. As violetas ficam bem numa declaração de amor? Se a noiva for de negro. A cor não é a do Senhor dos Passos? Não será por acaso que as noivas levam ramalhetes de flores de laranjeira. Têm pétalas claras, evocam virgindade. Evocam a verdade. O tempo que há-de vir. Mas não devia ser. Ninguém se casa virgem. Nem sei se as laranjeiras florescem na Primavera. Deve ser. Já consigo abrir um pouco os olhos, pela sombra entremeada das árvores deste jardim. Apesar de não terem pálpebras, os ouvidos não ouvem nada. Sei que por aí há pássaros. Gostava que fossem melros. Ora, melros e violetas combinam. Que ave se pode rimar com flores de laranjeira? Nenhuma voz me responde. A voz da Terra é ruidosa, mas uns quilómetros lá em cima e é como se o planeta fosse mudo. Dizem que no vazio não se propaga o som. Mas o universo tem voz. Não é a voz de Deus, é a do universo. Os cientistas têm uns equipamentos muito caros que permitem ouvir o som da expansão do universo. Dizem que vem do big bang. Como pode uma coisa ruidosa se resumir a som nenhum, que, apesar de tudo, se ouve nuns equipamentos muito caros e complicados? A voz humana é mais simples. É bela. As dos pássaros também. Também há o som do bater das asas. Pudesse eu voar, como um beija-flor… frente à flor da amada pararia. Um beijo? Um beijo. Com toda esta luz não vejo nem oiço. Pode estar à minha frente falando-me que eu, encadeado, só penso na voz do universo.

sábado, abril 09, 2011

Confesso-me

Nunca te escrevi um poema de amor, porque não te conheço. Se escrevo alguma coisa agora é porque tampouco.

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Pela velocidade dos teus dedos e dos teus verbos, sei-te de sangue. Oiço-te à distância de um ou dois bairros. Invejo-te a ilusão e envergonho-me do cinismo de tanta concessão. Não sou menos honesto, sou manso.

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Ouvir-te gritar é sentir o pulsar. Sou discípulo do silêncio, irreverente e cordato. Tenho a coragem de não ser revolucionário, mas embeveço-me com a saliência, a plasticidade, das tuas veias quando gritas.

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Sim, haveria de me apaixonar por ti se por dois minutos ficasse a olhar-te nos olhos a ouvir-te. Até seria capaz de acreditar nisso que dizes e não acredito.

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Na bola de cristal vejo que tens sal nos lábios. A olho nu, vejo sal nos teus lábios.

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Eu, macho, vergo-me perante a feminilidade que autoritariamente exalas. Cordato, já te disse.

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Já me imaginei campeão amando-te. Quendera, fosse eu homem suficiente. Mais do que ter audácia, tivesse fibra.

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Nunca te escrevi um poema, mas declaro o meu amor. Não de joelhos, mas em cima duma cadeira, para que te poder olhar nos olhos.

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Possa eu ter toda a razão do mundo, derribas-me. Queira eu amar-te, serei sempre manso. Digo então apenas e em voz alta, que não sou homem suficiente para ti.

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Nota: The truta love.