digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

terça-feira, agosto 31, 2010

Sou da carne

Duvido da existência de Deus mesmo quando oro com empenho e verdade. Se há fé que não é cega é a minha. E tantas provas e iluminações depois. Nasci rebelde de espírito, mas facilmente amansável. Teimoso na descrença, estúpido na compreensão. Senti Deus quando o percebi pela lógica. Porém ainda não o sei amar. Deus é uma espécie de parente afastado.
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Não tenho altares sacrificiais. Apesar, sacrifico-me ainda que querendo queimar outrem. Sacerdote empenhado e descrente. Sacerdote comprometido, mas ignorante.
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Sou mais da carne. Tanto que insisto em comê-la, memo sabendo que toda vem dum animal. Não sei de para Deus um animal vale menos do que o homem. Não mato. Mas não condeno quem mata. Infantilmente, chego a desejar uma morte vingadora, mesmo sabendo que a morte não existe. Não mato, mas mato baratas, moscas, formigas e rastejantes de toda a ordem. Será que Deus os ama menos?
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Sou mais da carne. O meu coração ama mulheres. Amo os amigos. Chego até a comover-me com as pessoas. Amo as minhas gatas e os cães, cavalos, texugos… uma data deles, quase todos. Não agrado a Deus quando não os amo a todos. Mas perdoa-me.
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Sou mais da carne. E dos olhos. Mesmo sabendo que há coisas que não se vêem e outras que se vêem e não são verdade. Concordam, crentes, agnósticos e ateus. Porque vi a luz, acredito em Deus. Acredito em Deus porque vi a luz. Duvido porque em mim há negrume.
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A dúvida não abate Deus. A resposta confirma-o. Digo isto porque vi a luz. Mesmo tendo-a visto, duvido. Ainda que ore com muito empenho. Ele perdoa-me.
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Se amo, acredito em Deus. Ainda que se não acredite em Deus, amar é um luzir divino. Pode amar-se sem acreditar em Deus, mas sem amar não se pode acreditar.
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Deus tem a vantagem de ser o criador. De amar todas as suas criaturas. De ninguém o ver. De muita gente o sentir ou acreditar. De ser justo e bom.
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Duvido de Deus não por duvidar da sua bondade ou obra. Porque cada um tem um caminho. Porque muitas são as vidas que nos tornam iguais. Porque diz quem sabe mais. Maravilhosamente mais. Escuto com atenção. Mas sou mais da carne.
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Sou barro a moldar-se. Obra imperfeita porque incompleta. Quando estiver pronto terei fé. Por enquanto, vou orando a Deus, empenhado e duvidante.
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Sou mais da carne. Acredito em belas mulheres deitadas nuas numa praia. Na febre da sedução. Na cegueira do desejo. Sou da carne. Mas sou de Deus.

segunda-feira, agosto 30, 2010

Tímida declaração de amor a uma miúda morena

Para falar verdade, ainda tremo como um adolescente, apesar de morto para a vida que um adolescente deseja. Tremo quando um brilho mínimo alumia meio grão de nada. Tremo por pensar que ainda posso viver qualquer coisa que quis deixar. Sou viciado numa vida que renego. Como um monge, tenho a perversão da abstinência.
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Há dias que os trinta e nove graus à sombra e a luz ao Sol abanam as certezas dum homem. Na indolência própria dos dias de tamanha calma, uma loucura assalta as vontades. Como um incêndio antes de se descontrolar. Há qualquer coisa de cinematográfico num dia assim.
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Não há água de mangueira que acuda, porque o calor está mais dentro do que fora. Não é o coração e talvez nem seja a cabeça. Mas os pulmões e a sua vontade insaciável de respirar. Inalar tudo e sentir o aroma da carne subjacente à pele que se quer tocar.
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Nos dias de estio bruto não são precisas bebidas que escalam cabeças para que a boca diga disparates ou que as mãos os escrevam. Só há tempo para verter segredos, mal escondidos, perante aquela que se quer resguardo.
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Aconteceu-me hoje. Não fossem tão mundanas e terrestres as palavras e teria dito poesia. Não fossem tão cautelosas e tímidas e teria grunhido sexo. Nem uma coisa nem outra nem meio caminho. Apenas uma infantilidade.
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A provar que os mortos estão mortos, mas os que se querem mortos não estão. Sem cilícios, penitencio-me renegando tudo o que lhe disse. Cobarde, sim. Mas com palavras de fora já se não é tão inconsequente. Ainda que este amor não corra como um rio, mas que fique quieto como um lago.
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Afinal também tem a sua beleza. Um amor não correspondido nem accionado. Telepaticamente falhado. Sexualmente imaginado. Nudez de fantasia. Mas nado morto. Havia de ser bonita outra coisa.
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Por estar voluntariamente morto não me choro nem me doou. Não me ardem as feridas que não tenho. Tremo, sim, porque em alguns minutos senti viver. Em loucura de um salto quis novamente voltar a morrer, antes que ela me matasse de amor ou desgosto.

sábado, agosto 28, 2010

Vou sair logo à noite

Não me deixo de recordar dos amanheceres de Junho. Não me deixo de recordar dos amanheceres de Janeiro. A luz clarividente e a púrpura. Alguém me dá as manhãs e eu, agradecido, acordo nelas. Mas prefiro deitar-me, depois de esperar o raiar, brindando a vida, mas recebendo depois em troca a sensação de dia perdido, de luz desperdiçada.
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Hoje acordei num momento ambíguo, nem cedo nem tarde. A aquela que já foi miúda acordou-me e desvaneceu-se ao abrir dos olhos. Logo a mim, que tenho uma cama deprimida e solitária.
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A outra rapariga, a que conheci há dias, não me desperta muito, apesar da sua beleza e escultura. Prova de que olhos de negro profundo e sorriso aberto não são sinónimo de fantasia. Não a quero como mulher nem como objecto.
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Neste tempo em que se percebe a despedida do Verão não há já as esperanças do começo do estio. Tudo é já certeza e a juventude dos dias deu lugar à maturidade das horas. Quendera os amanheceres de Junho.
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Ainda não é amanhã que vou à praia. Custa-me ir tão longe para ter prazer ou tão perto para ter cadinhos. O Sol esgota-se desde que nasce e desde que começam os dias. Nasce, morre e renasce antes de voltar a morrer. Lá para Dezembro é fugidiu, em Junho é magnânimo.
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Tenho uma certa inveja da sua vida. Eu que tenho uma plana e deprimida. O Sol quando tem de se queixar desaparece. Eu tenho que aguentar toda a fraqueza à frente do mundo. Ele resplandece e ninguém repara na minha alegria.
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Espero hoje ter a largueza de ver o luar. O Tejo, sempre o Tejo, à vista ou adivinhação. Que a luz da noite prometa tanto quanto as dos amanheceres de Junho e Janeiro. Logo mais saberei.

sexta-feira, agosto 20, 2010

Meu amor, meu amor

Meu amor, meu amor, estou apaixonado por ti. Um dia vou sorrir das tuas tiradas infelizes e sentir saudades dos teus ciúmes disfarçados.
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Os dias de pensamentos e as noites de acção. Meu amor, como és bela na escuridão e sob o Sol mais luzente, na penumbra e no crepúsculo, ao lusco-fusco, das velas e do entardecer, das manhãs violáceas. Do frio que cortas as manhãs, da chuva que empapa as tardes e de todo o Sol do Verão.
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Sonha comigo, meu amor. Que nos sonhos nunca entardece a vida. Nos sonhos não se dorme nem se desperta. E os beijos vão da pele ao átomo.
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Meu amor, meu amor, que saudades já tenho e ainda não me afastei de ti. Abraçar-te até o meu corpo te absorver e o teu me diluir. Tenho o olhar encadeado e a boca sorrindo pedindo-te mais um beijo. Diga-se o que se disser é como não dizer. Não há palavras certas, só desejos.
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Agora deito-me e junto a mim a tua presença em ausência. O teu corpo sinto-o e abraço-o no ar que sobrevoa a cama. Sonho contigo, porque nos sonhos não se envelhece. Toda uma eternidade para amar. Do princípio até ao acordar.

quarta-feira, agosto 18, 2010

Alma

Fotografia de alma inteira. Uma espécie de ramalhete nas mãos. Tem tudo, corpo espectral de luminescência variável. Não ter medo de se ser só alma, não ter medo de ter perdido o corpo que a ela estava agarrado. Saber correr com o pensamento. Não ser uma pessoa só, ser muitas. Muitos corpos para uma só alma. Não ter medo de dizer, a quem souber ouvir, o que vai na alma. Não ter medo de surgir nas fotografias. Aparecer de corpo inteiro, com o corpo que as almas têm.

segunda-feira, agosto 16, 2010

Antes de deitar

Deus é aquém de alfa e além de ómega, imagino eu. Mas duvido, porque é mais do que uma viagem de circunavegação infinita num alfabeto e mais depois. Duvido, porque Deus é todas as coisas pequenas. E todas as grandes. E as partes pequenas das pequenas. E as grandes das grandes. Duvido, não sei se é tudo, porque tudo é o universo. Sei que não é nada, porque há tudo. Não sei o que é Deus. Sou pequeno para saber, mas sei que é grande para nela caber. Os meus olhos não o vêem, o coração pressente-o e a alma sente-o.

Rio de angústia

É como um rio que nasce e corre, cada vez mais caudaloso. Rio de Inverno, ganhando corpo e força. Perigo de transbordo e afogamento.
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Angústia ao acordar. Às horas úteis do dia. Ao deitar. Até amanhã. Acordar numa vida que não se quer. Ver a chegar a vida que não se quer. Ser quem não se quer. Angústia nas horas mortas, nas horas de sono e em todas as outras horas.
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O corpo sempre em tremor. Um lugar de esconder que não esconde. Um sono que não é eterno. Por que teimam em passar todas as horas em que se dorme? Por que pastam lentas as horas de olhos abertos?
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Rio que corre e traz sedimentos de qualquer coisa que se desconhece. Rio que traz angústias para a esperança. Rio de lágrimas. Rio dos que se querem mortos. Angústia em todas as horas.

sexta-feira, agosto 06, 2010

Nada por tudo

Invejo os filósofos e os físicos teóricos, não têm de provar nada... e também os escritores que não querem provar nada... e os gastrónomos que querem provar tudo.
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Nota: Como não é nada óbvio, eu explico... mas só uma vez... o quadro chama-se «A lição de filosofia». Ficou giro, não ficou?

O melhor bolo de chocolate do mundo





















Farto-me de rir (irritado q.b.) quando me vêm dizer que a coisa é a melhor do mundo. Perdoo nas conversas informais, mais ou menos sérias. Aprovo na paixão ingénua. No deslumbre da coisa nova. Não tolero no auto-elogio.
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Registar um bolo de chocolate como o melhor do mundo pode ser um bom número de marketing. Mas maior é a parolada de tal afirmação. Só acredita o patego, o crédulo estúpido, o ignorante distraído.
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O «melhor bolo de chocolate do mundo» é banalíssimo, desinteressante, desimaginativo. É uma fraude. É ridículo. É parolo. É estúpido. Nem para saciar a fome de açúcar é competente.
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Podem afirmar ser o melhor bolo de chocolate do mundo, mas não deixará de ser uma acusação injusta e infundada. Prefiro o bolo de chocolate do Pingo Doce.

quinta-feira, agosto 05, 2010

Amor, do zero ao infinito ou o seu oposto
















Quero desapaixonar-me. Abdico destes tremores e gelatina no abdómen e pensamentos obcecados. Comigo não são borboletas no estômago, são aves brincando no ar.
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Amo ninguém, mas amo. Derramo amor pelos lençóis em que durmo. Sem fazer amor, suo noite fora, desejando uma pessoa inexistente.
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Não amo uma ausente. Amo a infinidade do zero. Sonho com arranjos florais sem destino. Enlevo-me com todos os olhares de doçura. Os toques suaves de pele, os silêncios de encantamento.
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Deitar fora todo este temor. Abandonar todo este tremor. Estou capaz de cortar os pulsos por desassossego. Não aguento os suores, as esperas, as efabulações, os receios, os desejos, as angústias, as horas, os sonos, os sonhos, os momentos felizes passados, os momentos felizes por vir, a primeira noite, a outra a seguir, e a outra, e a outra e a outra.
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Há quem ame e não seja correspondido. Há quem deseje. Há quem seja correspondido no amor. E na paixão. Há os que amam viúvos. Há os que amam fantasmas de pessoas vivas. Amo ninguém. Desejo ninguém. Mas, mesmo assim, amo.
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Amo de loucura como todos os apaixonados. Fervilha-me o sangue e sinto ansiedade pelo momento em que, por fim, estaremos juntos. Não tenho paixão física. Nem tão pouco espiritual. Não tenho enlevo intelectual. Paixão: infinito ama zero. Zero não pode amar infinito.

quarta-feira, agosto 04, 2010

Derrame

Derramado, luto para que as próximas horas não sejam a dormir. Preguiçoso ou cansado, demoro-me pendente de alguma coisa que quero que aconteça, mas que não tenho coragem para fazer acontecer. Como se estivesse muito bêbedo.
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Muito bêbedo, deitado, abraçado pelo colchão. Os sapatos tirados a sopapo com os pés. As calças abertas para saírem, mas ainda a meio-rabo, pesado como um hipopótamo. A camisa aberta, sem sair, esmagada pelo torso. Os óculos esquecidos algures, ao alcance duma das mãos, que não se sabe qual. Duas mãos, duas pernas, quatro membros, nenhum se move com o outro. Movimentos independentes. A cabeça desencaixada.
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Como se estivesse muito bêbedo, debruçado sobre uma almofada quente, quase a escaldar, mas donde não se sai. Esforço. O esforço de não fazer esforço de sair de tamanha letargia.
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Há esperança num objectivo. Algo que convença a cumprir a vontade de cortar a dormência e anular horas de sono de tédio e ócio. Que objectivo? Vontade de dormir sobre o assunto. Decisão sempre adiada.
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Não pensar mais. Um longo suspiro e um gesto brusco, como um salto suicida. Levantar. Upa! Já está. Já não há corpo debruçado no parapeito da preguiça.
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Momento indeciso. Pendente. Balanceado. Cai, não cai. Para a frente não cai. Ânimo. Vitória. Orgulho. Descanso. Cair para trás.
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Derramado, caído por terra num leito. Desejo que as próximas horas de ócio não sejam de dormir nem de tédio. Como se estivesse muito bêbedo. Duas mãos, duas pernas, quatro membros, nenhum se move com o outro. Movimentos independentes. A cabeça desencaixada.

terça-feira, agosto 03, 2010

A ilha





















Só mais além. Acabou-se. O destino só não tem fim, porque sempre se pode voltar para trás. Ter coragem para ficar, ter coragem para retroceder. Se ficar não tem futuro, voltar só tem passado. Para além, nada mais.
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Precipício e eu sem asas. Um monte alto, escarpado, ilha agreste. Tanto faz silêncio, tanto faz vento. À volta, o mesmo céu mais que negro ou o Sol matador. O mar revolto, armadilha para corajosos. De lá não se volta.
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Nem frio nem calor, mas solidão. Dias de diálogos de mim para comigo. Noites agitadas de ansiedade. Pequeno demais para ser um reino, de um homem só. Agulha de vento rodeada de nostalgia a toda a volta. Ilha dos medos e das certezas.
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Além desta circunferência tosca não há nada. A esperança é o sonho, a realidade é de vento, granito e salpicos de sal. Voltar, só para o centro deste reino de um homem só. Para além, nada mais.