digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

sexta-feira, julho 30, 2010

Tempo de calor. Calor de tempo.

Nem este calor detém o tempo. As chamas invisíveis do Verão não vão além da pele, mas quendera me consumissem a alma até à existência.
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Os amores antigos já foram verdes e maduros, já caíram no chão, apodreceram e foram hoje seiva nova. Em árvore velha não nascem frutos.
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Queria que o tempo parasse até que fosse tempo de tempo novo. Vida em suspensão, na ânsia de um beijo volátil, com toda a beleza do que é efémero.
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E se só eu parasse, expectante e curioso, suspenso também no ar, a ver a vida em trezentos e sessenta graus, com seus degraus, correrias, arrelias e sorrisos, noites de tudo e dias de nada?
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E se eu parasse, por um instante, inquieto com a não paragem do tempo? Que doces frutos poderia então trincar. Entre o maduro e o verde, vivos de água. Sem culpa, respiraria.

sexta-feira, julho 23, 2010

O arbusto





















Se não sou de ferro é porque suo. Mas suando tanto não chegarei a ser, um dia, de ferro. Serei erva alta que se dobra com o vento, que espero não se vergue, mas apenas dobre. Não serei árvore, que é dura como um castelo, mas se quebra. Não quero ser arbusto, forma mínima de ser árvore, que se verga e quebra. Quero ser cabelo que voa pendurado ou nada dançando. Ou nada. Nada disto. Não ser nada, não existir: sem vergar nem balançar nem ir nem ficar. Pairar no éter como uma medusa, coisa entre o vivo e o não vivo. Entre o fantasma e o médium. Ser de plasma e alma de sentimentos e sem perdas. Entre o vivo e o não vivo.

domingo, julho 18, 2010

Esperança de estar quase a brindar





















Não há como. Seja Verão ou quaisquer outros dias, não vejo o momento em que possa voltar a beijar as águas tranquilas de sono e vida. Se agora algum Sol entra pela minha janela, não esqueço que o céu está ainda escuro e que são precisos muitos dias soalheiros para que me sequem as lágrimas. Ainda assim, tudo é ainda uma esperança, que espero não seja mais uma que se vai numa chuvada súbita. Muitas luas de tristeza, de sonhos acordados e outros desejos. Muitas horas numa sauna a pensar nos dias que se querem de abundância e na felicidade que o dinheiro pode comprar. Espero que este Sol fique como o Verão e perdure por longos dias longos. Que venham mais dias e dias e dias de felizes horas, em que possa ter mais do que pão.

sábado, julho 17, 2010

Mãozinhas

Deviam de me dar umas mãozinhas de madeira, para pôr nas outras mãos, para que não escrevesse nada que não devesse ser escrito, ou que, se escrevesse, não escrevesse, ou que, se escrevesse, não tivesse escrito.

sexta-feira, julho 09, 2010

domingo, julho 04, 2010

Sexo oral


Parece-me que não há palavra bonita para uma coisa tão boa. Mesmo quando mal feita, essa «coisa» é prazenteira, como o sexo oral… aquele em que uma boca abocanha, cabeça e corpo da piça... não sei se se escreve piça ou pissa, mas a coisinha é a mesma e, neste termo, refere-se normalmente ao seu estado erecto.
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Mas o que chamar? Broche é barrasco, tipo cuspir no chão. Mamada não é menos, é alarvidade leitosa. Chupada, acho que nem ouvi, mas padece de falta de gentileza.
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Felácio é uma intelectualização, uma evocação do termo latim – duvido que um professor de latim o diga ou uma académica o faça usando tal palavra. Mesmo querendo ler um livro enquanto o fazem, o alegre beneficiário não conseguirá concentrar-se nas letras ou na boca que lhe torna a piça em chupa-chupa. Não passará de pesporrência intelectualóide:
- Querida faz-me um felácio…
Ou melhor:
- Faça-me um felácio.
Mal se pronunciasse o vocábulo, a parceira perderia toda a tesão para fazer, caso não rebentasse a rir ou a chorar.
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Tomás Taveira, no seu impagável vídeo de final da década de oitenta ou início de noventa do século passado, falava ao telefone enquanto lhe faziam a pregadeira. A avaliar pelas imagens e pelo tom de voz, ou não estava a gostar do que lhe estavam a fazer ou não estava a ligar grande coisa ao brochedo e à chamada.
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A propósito de chamada, no caso a propósito da chamada de Tomás Taveira, há quem lhe chame chamada para Tóquio. A expressão não evoca nada de oriental, mas lembra um título de filme… imaginem um filme negro, com Humphrey Bogart, chamado «Chamada para Tóquio». Parece-me plausível.
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Mesmo pensando num idioma que não é o meu, a coisa não é fácil… blowjob… blowjob? Trabalhinho de soprar? Trabalho de operário vidreiro. Pipe em francês, cachimbo?
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Voltando à língua de Luís de Camões, de Fernando Pessoa e de Herberto Hélder… Quanto a bico… bico? Fruto do aguçar da glande? Coisa piramidal? Angulosa e fria? Bico, não. Não pode. Além de não ter, à primeira vista, grande lógica.
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O tanas, é que não tem grande lógica. Os linguistas que o dizem nunca pensaram na arte da mamada, do broche, da chupada, da chamada para Tóquio, da pregadeira e do bico. Pensemos um pouco: Em galego, nossa língua ou nossa língua-avó, conforme preferirem, bico quer dizer beijo. Ora, o que é uma mamada do que um valente, guloso, sensual e prolongado beijo? Para mim, bico ainda é a melhor solução.
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Mesmo assim, não há palavra ou expressão que diga tão bem o bom prazer. Há falta de melhor, uso as palavras todas em forma de pedido. Já ia um!

quinta-feira, julho 01, 2010

Gata, gatinha, canalha, que não voltas




















Tive uma namorada, nos dias mais fáceis, que era uma gata. Por causa dos olhos verdes, pela expressão serena e inteligente, pelo maneirar gato, em imitação perfeita dos seus banhos, pelo desapego sentimental aparente. Um dia abri-lhe a janela e saiu com a natural leveza das patinhas. Não lhe perguntei onde ia nem se voltava. Como gato livre, foi-se pelos telhados. À Lua viverá, sem dúvida, enquanto eu fico no beiral frente ao vento na esperança de ver o seu salto delgado e ágil. Como gato que abandona o dono, a minha gata já nem olha para mim.