digo e o oposto, constantemente volúvel, às vezes verdade. juro pela minha alma, mais do que vinho amo a água e só me desenseda e lava, a cara, o corpo e a vergonha de ser quem não quero. os sonhos antigos são sonhos e antigos e os novos de esperar, é esta a vida a mim agarrada, se esperança existe.

domingo, fevereiro 28, 2010





















O mais triste de ser sozinho é não se ser ninguém.

Pequeno Princípio, pequeno meio e pequeno fim





















Por que hão-de as coisas ter princípio, meio e fim se podem ter e ser só uma? A resposta é este silêncio que.

Princípio, meio e fim





















Por que hão-de as coisas ter princípio, meio e fim se podem ter e ser só uma?
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A minha vida começou e não sei se vou a meio, mas sei que não hei-de acabar.
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Fosse eu mais leve e já estaria além de qualquer coisa de tangível.
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Como se o céu tivesse um túnel para se ir dali para ali. Indo invisível, chagaria palpável.
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Bola de fumo, pesada como chumbo, a minha vida é uma embrulhada e aguarda que o vento se dissipe. Melhor diria se fosse Alcipe.
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Na boca, meu tesouro. Novelo de filigrana enleada. sabor de fios de ovos, eternidade.
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Na boca, as minhas palavras. Guardadas para se revelarem.
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Por que hei-de pôr nisto um fim, se a finalidade é ir para o fim?

sexta-feira, fevereiro 26, 2010

Para dentro da cabeça

O segredo é uma impossibilidade. Todo o ínfimo sussurro é audível e todo o coração tem boca. Sem emoção não há palavras, que se guardem e silenciem.

domingo, fevereiro 21, 2010

Jantar romântico para um homem só – A mesa (1/8)





















Eu que gosto mais dos alemães sentei-me a ouvir Verdi.
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No prato bacalhau à Braz acabado de fazer, com parcelas mínimas queimadas, que fazer um jantar sozinho é obra para muita gente.
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Sala morna, porta fechada e cortinas corridas. Atrás da música não se ouve a chuva. As gatas entram e saem quando querem, nada exigem.
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Oito velas acesas na casa, nem mais luz. Um vinho branco com vida e frescura certa. Pimenta preta na mesa.
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Incenso de sândalo, para temperar aromas de prato. Gesto de fumo, oriental, o exotismo obrigatório num jantar de amor.
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Toalha vermelha com limitados quadrados a branco. Guardanapo às riscas, azuis e brancas. A memória dum passado, recordações de mesa.
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Depois do jantar, um jogo de cartas, paciências. Baralho novo. À primeira perco. À segunda a mediocridade. É sorte ao amor que aí vem.
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Há amores que não valem este jantar.

Jantar romântico para um homem só – Quase luz (2/8)

A quase luz não é quase escuridão. Uma vela que se apaga é uma falta notada na música orgânica de toda a claridade possível.

Jantar romântico para um homem só – Sem choro (3/8)





















Se chorasse tudo duma vez, os meus olhos morreriam de sede. Olhos com sede não deixariam ver o que vai na alma. A alma ardente sem água lançaria fogo ao coração. Coração queimado e sem água que o apagasse. Amor sem luz.

Jantar romântico para um homem só – Vela (4/8)

Que esta luz não se apague, ainda que a música se vá. Porque uma música pode repetir-se, mas uma vela apagada nunca mais volta a ter vida.

Jantar romântico para um homem só – Medo (5/8)




















O que será a luz do medo? Uma evocação medieval, um arrepio como os outros. Luz nítida para a escuridão. Não será luz negra, mas luz para a escuridão, como a da esperança e da fé.

Jantar romântico para um homem só – Sombra (6/8)

Há sempre sombra atrás da luz. Só a da fé não esconde. Por aqui, todos bem. Espera-se um outro dia. Depois do próximo, o próximo. Sente-se a macieza das mãos. As noites frias já o foram mais. Não se fala do tempo. Todos esperam que o telefone toque, mas não agora, não hoje. Que haja alguém que se preocupe.

Jantar romântico para um homem só – O claustro (7/8)













Dentro destas quatro paredes evocam-se fantasmas, idos há muito. Lembranças de claustros e granito, outros corações desfeitos. O toque dos sinos, as trompas e a percussão solene a anunciar um cortejo. Sobre mim se levantam um cantar meu.
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Um caminho de flores, o chão coberto. No carreiro do bosque, taciturno. A dança dos espectros, o canto chão, o canto dos anjos, um canto de laudas.
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Por mim, não há manhã. Por mim, só esta escuridão monacal. , esta luz trémula. O medo da nudez.
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Romperei a noite numa oração, com o frio do aço temperado. Solidão fria de Inverno.
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Quando as luzes se apagarem será outra noite. Ainda tempo da oração perdida nos tragos de vinho. Que esta luz nunca se acabe e que jamais seja manhã.

Jantar romântico para um homem só – O claustro (7/8)

Dentro destas quatro paredes evocam-se fantasmas, idos há muito. Lembranças de claustros e granito, outros corações desfeitos. O toque dos sinos, as trompas e a percussão solene a anunciar um cortejo. Sobre mim se levantam um cantar meu.
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Um caminho de flores, o chão coberto. No carreiro do bosque, taciturno. A dança dos espectros, o canto chão, o canto dos anjos, um canto de laudas.
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Por mim, não há manhã. Por mim, só esta escuridão monacal. , esta luz trémula. O medo da nudez.
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Romperei a noite numa oração, com o frio do aço temperado. Solidão fria de Inverno.
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Quando as luzes se apagarem será outra noite. Ainda tempo da oração perdida nos tragos de vinho. Que esta luz nunca se acabe e que jamais seja manhã.

Jantar romântico para um homem só – A cama (8/8)

Quando finalmente me levanto para ir comigo para o quarto, vou demasiado ébrio para fazer amor comigo. Uma noite de emoções bastantes. O sono justo de quem não quer acordar de manhã ao lado de si mesmo.

quarta-feira, fevereiro 17, 2010

Jardim triste

Gosto dos jardins tristes e nostálgicos, onde a luz vem filtrada pelas árvores e a sombra se faz presente, de manhã ao cair do Sol. Gosto quando vem a luz e enxota a frescura obrigatória. Dispenso os laguinhos, prefiro só um relvado e as árvores sombreiras. Nele, as primeiras e as últimas flores da Primavera. Nele, o silêncio profundo dos dias de tristeza. O vento tímido a soprar para perto as ideias. De gola alta, espojado no chão, sarapintado de ervas e humidade, ou sentado numa chaise longue, enfrentaria feliz a ausência do que fazer. Porque o que é triste não é não ter nada para fazer. Triste é não ter dinheiro para não fazer. Se ganhasse uma fortuna, por pequena que fosse, teria um jardim triste.

bye bye my love

Amanhã mando-te o beijo que te devo, hoje tenho o sonho atrasado.

quarta-feira, fevereiro 10, 2010

Horas de ócio





















- Olá. Vamos tomar café?
- Não posso, estou ocupado.
- O que fazes?
- Encho-me de tédio.
- E mais logo?
- Mais logo não estou disponível.
- O que fazes?
- Encho as horas vagas com tédio.

domingo, fevereiro 07, 2010

Quatro paredes





















As minhas paredes são sós. Dentro delas, sou só.

Arte eterna, amores perfeitos

No céu, no Paraíso, as obras de arte perduram até à eternidade. Mesmo as ateias e as que nunca tiveram registo.
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No Paraíso todos os beijos são perfeitos.
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Se a perfeição é impossível para a perfeição, o mais perfeito dos amores terá defeito, atingindo, assim, a perfeição.

sábado, fevereiro 06, 2010

Ler os sonhos

Ana e Pedro sonham, não se lembram quando acordam. Maria e Tomé sonham, não lhes dão importância. Isabel e Carlos sonham, interpretam-nos com ciência analítica. Cristina e Paulo sonham, e conhecem-nos com a profundidade espiritual que encerram.

Adição de amor





















Sou uma máquina de somar desgostos de amor. Máquina porque repito, mecânica e obstinadamente, os meus erros, as mesmas acções e as mesmas inseguranças. Máquina de amores impossíveis. Amores finitos. Amores tristes. Amores unívocos, desafectos. Amores mal-entendidos. Amores incompreensíveis. Amores obstinados. Amores desligados. Amores invejosos, amores tomados. Amores só por amor. Amores só porque sim. Amores só por que não? Sim.

terça-feira, fevereiro 02, 2010

Desconversa ao telefone ou um texto sem graça sobre coisa nenhuma





















- Está lá?
- Estou sim…
- Estou?
- Tou, tou!
- Estou sim?
- Sim, estou.
- Está a ouvir-me?
- Estou?
- Consegue ouvir-me?
- Sim, sim…
- Donde é que fala?
- Aqui de casa.
- É da Freixieira?
- Não. É da Boleta de cima.
- Ah! Desculpe, foi engano…
- Mas, com quem deseja falar?
- Com a Zulmira…
- É a própria…
- Olá! Estás boa?
- Por que me está a tratar por tu?
- Não é a Zulmira?
- Sou, sou…
- Não estás a ver quem é?
- O telefone está um pouco baço, não se vê nada… já ouvir também é uma sorte.
- Não estás a ver quem é?
- Não me trate por tu, que não a conheço.
- Mas não és a Zulmira?
- Sou!
- Então?!...
- Foi nas informações que lhe deram o meu número de telefone?
- Foi sim!
- Então, por favor, diga-lhes que é engano.
- Engano? Mas não é de casa da Zulmira?
- Oh mulher! Já lhe disse que sim…
- Da Freixiera…
- Não, da Boleta.
- Então isso é onde?
- É na Freixieira.
- É na Freixieira ou na Boleta?
- É a mesma coisa…
- A mesma coisa?
- A terra tem dois nomes. Para os da Junta é Freixieira, para a oposição é Boleta.
- Ai sim?! Como assim?
- É o nome deles…
- Deles? Deles quem?
- Do presidente da Junta e o da oposição…
- Como é que vocês se arranjam?
- Bem. Só há dois telefones na terra. O meu e o da Junta.
- Então, é da oposição…
- Sou.
- Boleto é o seu apelido…
- É o do meu marido.
- É a Zulmira?
- Sou.
- Zulmira Boleto.
- Sim.
- Então é engano. Queira desculpar.
- Não tem de quê, minha senhora.
- Então, com licença…
- Faça o favor.

segunda-feira, fevereiro 01, 2010

Dorme bem... e cala-te

- Amor?
- Sim…
- Estás a dormir?
- Hã?!...
- Estás a dormir?
- Estou a tentar…
- Olha, sonhas comigo?
- Hã?!
- Sonhas comigo?
- Sim, sonho contigo. Agora deixa-me dormir.
- Por que queres sonhar comigo?
- Porque me estás a pedir…
- Se não pedisse tu não sonhavas comigo?
- Não sei, querida… não sei…
- Se não te pedisse tu não sonhavas comigo?
- Sonhava…
- Não sonhavas nada!
- Sonhava…
- Dizes isso só para me calares…
- Vá lá, deixa-me dormir…
- Estás a fugir à conversa…
- Não, só estou a tentar dormir.
- Promete-me que sonhas comigo.
- Prometo!
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- Bom dia, querido. Dormiste bem?
- Tive pesadelos!
- Depois sonhaste comigo e ficou tudo bem, não foi?
- Não!
- É porque não sonhaste comigo…
- Sonhei!
- O que sonhaste?
- Sonhei que passaste a noite a melgar-me para sonhar contigo.
- Vês! Nem mesmo pedindo-te tu és capaz de sonhar comigo como deve de ser. És um falhanço de marido.